Gregório de Nissa — A Vida de Moisés — Livro II
A Segunda Teofania: A Subida do Monte Sinai (Ex 20, 18-21)
23. (…) Que significa o fato de Moisés penetrar as trevas e nelas ver Deus? O que se narra aqui parece contrário à primeira teofania (Ex 20, 21). Pois então a divindade foi vista na luz; agora, nas trevas. Não pensemos que isto destoa quanto à coerência com o que consideramos em nossa interpretação espiritual. Através disto, o texto nos ensina que o conhecimento (gnosis) da piedade, no começo, se faz luz em quem o recebe. De fato, concebemos como trevas o contrário da piedade, e o afastamento das trevas é produzido pela participação na luz. Mas a seguir a mente, avançando na compreensão do conhecimento (gnosis) dos seres mediante uma atenção sempre maior e mais perfeita, quanto mais avança na contemplação, tanto mais percebe que a natureza divina é invisível. Em conseqüência, abandonando tudo o que é visível, não só tudo o que está no campo da sensibilidade, mas também tudo quanto a inteligência parece ver, marcha sempre para o que está mais oculto, até penetrar, com o trabalho intenso da inteligência, no invisível e incompreensível, e ali vê Deus. Nisto consiste o verdadeiro conhecimento (gnosis) do que buscamos, em ver no não ver, pois o que buscamos transcende todo o conhecimento (gnosis), totalmente circundado pela incompreensibilidade como por trevas. Por esta razão disse o elevado João que esteve nas trevas luminosas: A Deus nunca ninguém viu (Jo 1,18), definindo com esta negação que o conhecimento (gnosis) da essência divina é inacessível não só aos homens, senão também a toda natureza intelectual.
24. Assim pois, quando Moisés cresce em conhecimento (gnosis), confessa que vê Deus nas trevas, isto é, que agora sabe que a Divindade, por sua própria natureza, é algo que supera todo conhecimento (gnosis) e toda compreenção. Moisés — disse — entrou nas trevas, onde estava Deus (Ex 20, 21). Que Deus? Aquele que fez das trevas seu esconderijo (Sal 17, 12), como disse Davi, o qual foi iniciado nos mistérios secretos no mesmo santuário. Chegando ali, Moisés recebe de novo por meio da palavra os mandamentos que recebeu por meio das trevas, para que — assim creio -, nos confirmasse os ensinamentos sobre estas coisas com o testemunho da palavra divina. Pois em primeiro lugar, a palavra divina proíbe que os homens comparem a Divindade com alguma das coisas conhecidas, porque todo conceito, elaborado pelo entendimento com uma imagem sensível para conhecer e alcançar a natureza divina, dá uma imagem falsa de Deus, e não dá a conhecer o próprio Deus. A virtude da piedade tem dois aspectos: o que concerne a Deus e o que concerne à retidão dos costumes, pois a pureza de vida é uma parte da piedade. Moisés, ao aprender em primeiro lugar o que é necessário saber a respeito de Deus, que conhecê-lo consiste em não formar nenhuma idéia dEle a partir das coisas conhecidas segundo a forma humana de conhecer, entende também a outra face da virtude, ao aprender com que modo de viver se conduz retamente a vida virtuosa.