A Primeira Teofania — A Sarça Ardente (Ex 3, 1-15)
2. (…) E quando estivermos dedicados a esta paz e a este pacífico repouso, então brilhará a verdade, enchendo de luz com seus próprios fulgores os olhos da alma. Deus mesmo é a verdade que se manifestou então a Moisés através daquela inefável iluminação.
3. Nem sequer o fato de que o resplendor que ilumina a alma do profeta se ascende de um arbusto de espinhos (Ex 3, 1-6) é inútil em nossa busca. De fato, se Deus é a verdade (Jo 14, 6; 8, 12), e a verdade é luz, e a palavra do Evangelho utiliza estes nomes sublimes e divinos para o Deus que se nos manifestou através da carne, conclui-se que este caminho da virtude nos conduz ao conhecimento (gnosis) daquela luz, que desceu até a natureza humana, que não brilha com a luz que se encontra nos astros para que não se pense que seu resplendor provem da alguma matéria que ali está oculta, mas sim com a luz de uma sarça da terra, que com seus resplendores ilumina mais que todos os astros do céu. Esta passagem nos ensina o mistério da Virgem: a luz da divindade, que graças a seu parto, ilumina a vida humana, guardou incorrupta a sarça que ardia sem que a flor da virgindade se secasse no parto. Com esta luz aprendemos o que devemos fazer para permanecer dentro dos resplendores da luz verdadeira: que não é possível correr com os pés calçados até aquela altura da qual se contempla a luz da verdade, mas que é necessário despojar os pés da alma de seu invólucro de peles, morto e terreno, com o qual foi revestia a natureza no princípio, quando fomos despidos por causa da desobediência à vontade divina (Gn 3, 21). Se fizermos isto, seguir-se-á o conhecimento (gnosis) da verdade, pois ela manifestará a si mesma, já que o conhecimento (gnosis) do que é, se converte em purificação da opinião em relação ao que não é. A meu ver, esta é a definição da verdade: não errar no conhecimento (gnosis) do ser. O erro é uma ilusão que se produz no pensamento a respeito do que não é, como se o que não existe tivesse consistência, enquanto a verdade é um conhecimento (gnosis) firme do que verdadeiramente existe. E desta forma alguém, depois de ter passado muito tempo em solidão embebido em altas meditações, conhecerá com esforço o que é verdadeiramente existente — aquilo que tem ser por sua própria natureza -, e o que é o não existente, isto é aquilo que tem ser só em aparência, ao ter uma natureza que não subsiste por si mesma (Ex 3, 14). Julgo que o grande Moisés, instruído pela teofania, compreendeu então que fora da causa suprema de tudo, na qual tudo tem consistência, nenhuma das coisas que são captadas com os sentidos e que se conhece com o pensamento tem consistência no ser. De fato, ainda que a mente considere diversos aspectos nos seres, o pensamento não vê nenhum deles com tal suficiência que não necessite em nada de outro, isto é, com tal suficiência que lhe seja possível existir sem participar do ser. O que sempre é de igual forma, aquele que nem cresce e nem diminui, aquele que não se move a nenhuma mudança, nem para melhor ou para pior, este é, na verdade, alheio ao pior e não há nada melhor que ele; aquele que é participado por todos e que não fica diminuído com esta participação: este é o que verdadeiramente existe e cuja contemplação é o conhecimento (gnosis) da verdade.
4. Moisés chegou então a isto, e agora chega também todo aquele que, seguindo seu exemplo, despoja a si mesmo de sua envoltura terrena e olha para a luz que sai da sarça, isto é, o raio de luz que nos ilumina através da carne cheia de espinhos, que é, como diz o Evangelho, a luz verdadeira (Jo 1, 19) e a verdade (Jo 14, 6). Então este chega a ser capaz de prestar ajuda aos demais no sentido da salvação, de destruir a tirania daquele que domina com artes más, e de encaminhar à liberdade os que estão debaixo da tirania de perversa escravidão. A transformação da mão direita e a mudança do bastão em serpente (Ex 4, 3-7) são o começo dos prodígios. Parece-me que nestes prodígios se dá a entender simbolicamente o mistério da manifestação da Divindade aos homens através da carne do Senhor, graças à qual tem lugar a destruição do tirano e a libertação dos que estão oprimidos por ele.