CRISTIANISMO ORIENTAL — SÃO GREGÓRIO DE NISSA (335-394)
S. Gregório de Nissa permaneceu sempre na sombra de seu irmão mais velho, Basílio Magno. Nascido em Cesaréia da Capadócia, cerca do ano 335, teve sua educação orientada por Basilio. Entregou-se primeiramente à vida secular, como professor de retórica e contraiu matrimônio com a jovem Teosebeia. Sob a influência de amigos, sobretudo de Gregório Nazianzeno, retirou-se para o mosteiro fundado por Basilio. Em 371, seu irmão o fez bispo da pequena cidade de Nissa, onde muito sofreu pela incapacidade na administração dos bens materiais e pela perseguição dos arianos. Em 371 participou do segundo concilio ecumênico, de Constantinopla, ao lado de Gregório de Nazianzo. Morreu em 395 ou pouco depois.
No entanto, se Basilio foi maior que seu irmão como bispo da Igreja e como legislador da vida monástica, Gregório supera-o imensamente como teólogo e como mestre da vida espiritual. Seu pensamento atinge uma profundidade e amplidão desconhecidas de Basilio e, também, de Gregório Nazianzeno. Gregório de Nissa tentou uma síntese entre o pensamento grego, sobretudo platônico e estoico, e a mensagem cristã. Sua obra dogmática mais importante, a Grande Catequese, constitui a primeira tentativa de uma teologia sistemática, depois do De Principiis de Orígenes, seu grande mestre. Mas, Gregório de Nissa é também um grande mestre de vida espiritual, o que lhe mereceu o título de “Pai da Teologia Mística”. Se Basilio, através de suas Regras, deu ao monaquismo oriental sua organização, Gregório de Nissa inspirou-lhe sua espiritualidade característica.
Três são as obras estritamente monásticas de S. Gregório de Nissa. A primeira delas, que foi também o primeiro escrito do santo é o Tratado sobre a Virgindade, composto logo após sua nomeação episcopal, em 370. Usando termos filosóficos, demonstra que a vida ascética é a realização do sonho dos filósofos da Grécia antiga a respeito da vida contemplativa. Esta obra ainda está esperando um tradutor que a torne acessível aos leitores da língua portuguesa.
Mas é no De Instituto Christiano (O DESÍGNIO DE DEUS e os ensinamentos sobre a vida cristã), provavelmente escrito vinte anos depois do Tratado sobre a Virgindade, onde o pensamento espiritual de Gregório atinge o seu pleno desenvolvimento. Aí ele realiza a união harmoniosa entre o conceito de graça do cristianismo com a tradição ética do helenismo e com o ideal clássico de virtude. Num tempo como o nosso, em que tanto se fala de aculturação do Evangelho, Gregório de Nissa muito nos pode inspirar. O De Instituto Christiano (O DESÍGNIO DE DEUS e os ensinamentos sobre a vida cristã) foi escrito a pedido dos monges, para ensinar-lhes o verdadeiro objeto da vida contemplativa e os meios para consegui-la. Outras informações sobre esta obra poderão ser obtidas na Nota Explicativa de D. Joaquim Zamith, no início de sua tradução deste escrito.
Paulo VI, na Evangelii Nuntiandi, afirma que “o homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, ou então, se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas” (n° 41). Este era também o pensamento de Gregório de Nissa, expresso na introdução do Tratado sobre a Virgindade: “abraçamos com maior entusiasmo um gênero de vida quando vemos alguém que se tornou conhecido levando esta vida”. Coerente com esta ideia, Gregório escreveu a vida de sua irmã Macrina “para que não caia no esquecimento, mas sirva de proveito a todos, aquela que alcançou o cume da humanidade”. É a primeira biografia cristã de uma mulher. Macrina é apresentada como modelo da perfeição cristã e da mãe espiritual da sua comunidade. A obra é uma joia da literatura hagiográfica. O último diálogo entre Macrina e seu irmão é uma das páginas que são lidas com profunda emoção e jamais esquecidas.
D. Paulo Rocha, abade de S. Bento da Bahia
Em seu tratado sobre a criação do homem, são Gregório de Nissa afirma — se referindo abusivamente a são Paulo (Galates III, 28) — que a divisão em “macho e fêmea” é estranha ao modelo divino do homem; que Deus, prevendo a queda do homem e a impossibilidade para o homem caído de se multiplicar como o fazem os anjos, — Gregório não nos diz como eles o fazem, — Deus então “estabeleceu para nossa natureza um meio mais adaptado ao nosso deslize no pecado: em lugar da nobreza dos anjos, nos deu para transmitirmos a vida uns em outros o modo dos brutos e dos seres sem inteligência…” E ele estima que Deus, prevendo nossa inclinação para o mal, “por este motivo misturou a sua própria imagem algo de irracional”, a saber o sexos, o amor e a união sexual; coisas que, para este autor, pertencem normalmente ao reino animal, não a espécie humana. Quer dizer que Deus criou os sexos tendo em vista o pecado ao mesmo tempo interditando-o; que tenha dado a ordem de “se multiplicar e de preencher a terra” em prevendo o pecado, único que tornaria possível este resultado, e que portanto proibiu; e assim dizendo, Gregório não explica porque o Cristo e a Virgem se encontram na Glória eterna com seus corpos sexualizados, por conseguinte testemunhos — segundo — da queda no pecado e animalidade, logo da degradação e da desgraça. (Frithjof Schuon: Christianisme/Islam)