Graves Ezequiel

TETRAMORFOS – VISÃO DE EZEQUIEL

Robert Graves – excerto de “A Deusa Branca”

Mencionado no primeiro capítulo do Livro de Ezequiel, trata-se, claramente, de um animal calendar. Tem quatro partes, que representam os “quatro anos novos” da tradição judaica: o leão para a primavera; a águia para o verão; o homem para o outono, o principal Ano-Novo; o touro para o inverno, que é a estação judaica da aradura. Ezequiel identifica esse querubim a uma roda ardente, que é, evidentemente, a roda do ano solar, assim como o Deus a quem serve é, sem dúvida, o Sol da Retidão, uma emanação do Ancião dos Dias. Além do mais, cada querubim — há quatro deles — corresponde a uma roda do carro de Deus e avança em frente sem desviar-se. A síntese de Ezequiel: “E a aparência deles e seu trabalho era como se fossem uma roda no meio de outra roda”1) tornou-se proverbial por sua ininteligibilidade. Contudo, tem um sentido simples no contexto de calendário. Cada roda da carruagem de Deus representa o ciclo anual, ou roda, de quatro estações; a chegada da carruagem inaugura um novo ciclo, ou roda, de quatro anos. Cada ano, com efeito, são rodas dentro de uma roda de quatro anos, desde o início até o fim dos tempos: e o Eterno Condutor é o Deus de Israel. Ao tornar rodas os próprios querubins, confere-se ao carro o poder de movimento e Ezequiel evita ter de colocar um cavalo angélico entre os eixos: ele se lembrou de que a carruagem votiva puxada por cavalos colocada pelo rei Manassés no Templo de Jerusalém fora removida como sendo idolátrica pelo bom rei Josias. No entanto, na verdade, a águia de Ezequiel deveria ter sido um carneiro ou um bode e o homem, uma serpente ígnea com rosto humano; com asas de águia para cada um dos quatro animais. Seus motivos para fazer esta representação errônea serão mostrados em meu último capítulo.

A cor desses brilhantes querubins nascidos das nuvens era o âmbar apolíneo, tal como aquela do Homem a quem serviam. Eles bem podem ter sido ministros do hiperbóreo Apolo, o deus-solar, a quem era consagrado o precioso âmbar. Além do mais, cada raio dourado da roda terminava na perna de um bezerro, sendo o bezerro de ouro o animal sagrado do deus que, segundo o rei Jeroboão, havia tirado Israel do Egito, tal como também era consagrado a Dioniso, a parte mutante do imutável Apolo.

Esta aparente identificação de Iahweh com Apolo teria alarmado os fariseus, embora não tenham ousado rejeitar a visão. Consta que um estudante, que reconheceu o significado de hashmal (“âmbar”, hashmal, no hebraico moderno, é a palavra usada para designar “eletricidade”; por outro lado, “eletricidade” deriva da palavra grega para âmbar) e a discutiu com imprudência, acabou fulminado por um raio (Haggada, 13.B). Por este motivo, segundo a Mishnah, o Ma’aseh Merkabah (“trabalho do carro” ou “da carruagem”) só pode ser ensinado a quem, além de ser sábio, também seja capaz de deduzir conhecimento através de sua própria sabedoria (“gnosis”); além disto, ninguém mais pode estar presente durante o ensinamento. “Seria melhor que aquele que falar de coisas que foram antes, atrás, acima e em baixo nunca tivesse nascido.” No conjunto, considerava-se mais seguro deixar de lado o Merkabah, especialmente porque foi profetizado que “na plenitude dos tempos, Ezequiel voltará e abrirá para Israel as câmaras do Merkabah” (Cant. Rabbah, 1, 4).

Assim, apenas alguns poucos rabinos conhecidos ensinaram o mistério e somente a seus discípulos mais seletos. Dentre eles estavam o rabino Johan ben Zadkai, o rabino Joshua (vice-presidente do Sinédrio sob Gamaliel), o rabino Akiba e o rabino Nehunia. O rabino Zera disse que nem sequer os títulos do Merkabah deviam ser comunicados, exceto a uma pessoa que estivesse liderando uma academia e que fosse de temperamento cauteloso. O rabino Ammi disse que a doutrina devia ser confiada apenas a quem tivesse todas as cinco qualidades enumeradas em Isaías 3, 3: comandante de esquadrão, homem respeitável, conselheiro, artífice hábil e orador eloquente. Difundiu-se a crença de que as exposições do mistério do Merkabah provocaria a aparição de Iahweh.




  1. A Bíblia de Jerusalém traz as seguintes palavras, em Ezequiel 1, 16b: “Quanto ao seu aspecto e à sua disposição, davam a impressão de que uma roda estava no meio da outra.” (N. T.