Antonio Orbe — Cristologia
Desde a mais remota antiguidade se recorreu à ideia de luta para um dos aspectos mas profundamente religiosos do homem. A doutrina dos dois princípios é um bom expoente. Entre os gregos — ao dizer de Celso —, “os antigos falam, entre enigmas, de uma guerra divina (theion tina polemon — Orígenes, Contra Celso VI,42).
- Tal é o significado dos mistérios relativos à guerra dos titãs e gigantes contra os deuses, e no Egito, os mistérios de Tifon, Horus e Osiris. (Contra Celso 280,29ss)
Jó concebia a existência humana na terra como milícia (Jó 7,1). A filosofia grega comparava a vida do homem com as disputas dos atletas. Quem triunfe as paixões e refreie os instintos, sai vencedor dos combates; e a arte o representará com a coroa oferecida aos campeões (Platão Rep X 621c). O estoicismo achou gosto em assemelhar o sábio ao atleta, e viu seu expoente ideal em Hércules (Sêneca De constant sap. c2)
Justino gnóstico exaltou sem escrúpulo a figura de Hércules, com inspiração em Heródoto. A vida como luta interessou particularmente o alexandrino Filon.
Na vertente neoplatônica, imaginava Porfírio a existência como combate.
- A continência humana — a dos filósofos gregos — se propõe lutar a fundo (diamakesthai) contra a concupiscência e não servir a ela nas obras. (Stromates III 7,57,1)
Os cristão previnem com a graça divina a concupiscência para não cair nela, conscientes de sua debilidade
O fundamento muito humano se adentra na constituição do indivíduo, solicitado em sentidos antagônicos.
Para ter a Deus é preciso lutar contra o que nos arrasta à ruína. O caminho é abandonar, de algum modo, o corpo; e subir, atrás da vitória, à vida, prêmio do combate da piedade.
A Escritura abunda em imagem agonísticas. Paulo Apostolo as apresenta com especial relevo. O cristão se move na vida como atleta no estádio. A descrição da milícia cristã consagrou o simbolismo das armas.
- Não sabeis vós que os que correm no estádio, todos, na verdade, correm, mas um só é que recebe o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis. E todo aquele que luta, exerce domínio próprio em todas as coisas; ora, eles o fazem para alcançar uma coroa corruptível, nós, porém, uma incorruptível. Pois eu assim corro, não como indeciso; assim combato, não como batendo no ar. Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à submissão, para que, depois de pregar a outros, eu mesmo não venha a ficar reprovado. (1Cor 9,24ss)
- Finalmente, fortalecei-vos no Senhor e na força do seu poder. Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para poderdes permanecer firmes contra as ciladas do Diabo; pois não é contra carne e sangue que temos que lutar, mas sim contra os principados, contra as potestades, conta os príncipes do mundo destas trevas, contra as hostes espirituais da iniquidade nas regiões celestes. Portanto tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e, havendo feito tudo, permanecer firmes. Estai, pois, firmes, tendo cingidos os vossos lombos com a verdade, e vestida a couraça da justiça, e calçando os pés com a preparação do evangelho da paz, tomando, sobretudo, o escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do Maligno. Tomai também o capacete da salvação, e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus; com toda a oração e súplica orando em todo tempo no Espírito e, para o mesmo fim, vigiando com toda a perseverança e súplica, por todos os santos, e por mim, para que me seja dada a palavra, no abrir da minha boca, para, com intrepidez, fazer conhecido o mistério do evangelho, pelo qual sou embaixador em cadeias, para que nele eu tenha coragem para falar como devo falar. (Ef 6,10-20)
A intervenção salvadora do Verbo no mundo adquire também uma tônica de guerra, de duelo. O Senhor vem nos salvar “de nossos inimigos e de mãos de quem nos odeiam”. - …para nos livrar dos nossos inimigos e da mão de todos os que nos odeiam; (Luc 1,71)
- …mas, sobrevindo outro mais valente do que ele, e vencendo-o, tira-lhe toda a armadura em que confiava, e reparte os seus despojos. (Luc 11,22)
Através do livro de Josué se compreendem as campanhas de Jesus. - 1. Cenário agonístico
- a) Eclesiásticos
- O vocabulário muda bastante; Israel esperava um Messias literalmente guerreiro. A perspectiva de Deus e de seus profetas era outra. Como a circuncisão e grande partes da Lei, também as guerras, hostilidades e triunfos de Jesus se sublimaram.
- b) Gnósticos
- A entonação guerreira do Filho na sua epifania ao mundo se dilui nas seitas. Muito mais claras são as premissas que o combate mesmo.
- Entre as premissas, o domínio do thanatos, o cativeiro dos homens, a atitude do mundo, ligado de mil formas pela necessidade ou o fado…, tudo clama por um libertador que rompa de uma vez o reinado do mal.
- a) Eclesiásticos
- 2. O «grande combate» na filosofia pagã
- O megas agon em sua aplicação à vida.
- A purificação pela filosofia leva a que “vivam sem corpos para toda a eternidade e cheguem a moradas ainda mais belas que as daqui… Por isso convém pô-lo tudo por nossa conta, para ter participação, em vida, da virtude e da sabedoria, já que é belo o galardão, e a esperança grande”, como afirma Sócrates (Phedon 114e)
- 3. Isaías 7,13
- De novo falou o Senhor com Acaz, dizendo: Pede para ti ao Senhor teu Deus um sinal; pede-o ou em baixo nas profundezas ou em cima nas alturas. Acaz, porém, respondeu: Não o pedirei nem porei à prova o Senhor. Então disse Isaías: Ouvi agora, ó casa de Davi: Pouco vos é afadigardes os homens, que ainda afadigareis também ao meu Deus? Portanto o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel. Manteiga e mel comerá, quando ele souber rejeitar o mal e escolher o bem. (Is 7,10-15)
- Raízes escriturárias do vocábulo agonistes na forma “grande lutador” (megas agonistes)
- 4. Senhorio e não ministério de morte
- Exegese de fragmento de Clemente de Alexandria — Excerpta ex Theodoto (58,1): “Segundo isso — disse —, depois da basileia da morte, que havia feito grande e sedutora a promessa, e que, não obstante, veio a converter-se em diakonia da morte…, apresentou-se o magno lutador.”
- 5. Conclusão
- O epíteto “grande lutador”, em sua aplicação ao Cristo, diz muito e não diz nada. Por seu alcance genérico sintetiza um dos aspectos mais relevantes da atividade terrena do Salvador. Se presta a muitas aplicações. Mas também desconcerta.