Uma mulher entre a multidão lhe disse: Bem-aventurado o ventre que te portou e os peitos que te alimentaram. Ele disse: Bem-aventurados os que escutaram a Palavra do Pai e a observaram em verdade. Mas dias virão em que direis: Bem-aventurados o ventre que não concebeu e os seios que não amamentaram.
Roberto Pla
Uma mulher ou alma entre muitas bendiz a maternidade bem-aventurada de uma só que fez possível no mundo a presença do Cristo manifesto (v. Maria), e a isto responde Jesus bendizendo à alma bem-aventurada que ao escutar e cumprir a verdade da Palavra [Logos] ou semente do Pai em seu seio semeada, torna possível em si mesma a ressurreição gloriosa do Cristo oculto.
À bem-aventurança manifesta se adita a bem-aventurança oculta, conformando ambas às duas grandes vertentes complementares que convém ser explicado e entendido o Ministério de Jesus Cristo e sua Boa Nova.
Porém ocorre que a entrada na bem-aventurança da Palavra do Pai vai precedida, segundo se descreve, por grandes sinais na alma, sinais de morte primeiro e de vida depois, porque a negação de si mesmo que Jesus predica como condição para a vinda do Filho do homem é a tribulação maior que a criação reservou ao homem.
A negação se nomeia morte voluntária da alma (psyche); aniquilação dos conteúdos desse ego mundano que todo homem natural crê ser, para abrir caminho para a iluminação do Cristo oculto, eterno, que no interior do homem espera sua ressurreição. Esta é a transfiguração dos “muitos em um”, tal como Jesus queria a todos reunidos na Jerusalém celestial, a expectativa que busca a alegria do ressuscitado mas que sabe que há de passar antes pela morte do que é mortal. Esse é o sentido do logion joanico:
A grandeza do evangelho transmitido por Jesus para todos é que só a morte do grão solitário abre as portas à vida e a luz da Palavra. Há que saber que um e outro, o homem nascido da carne e do homem de Acima, são os dois que estão no campo (da consciência), de onde um será tomado e o outro deixado, e este último, eu pequeno que será deixado, não abandonará seu mesquinho reino de adversário sem defender a preço de sangue cada um dos conteúdos psíquicos que ao chegar a hora ainda se mantenham sem destruição.
Daí o sentido da terceira bem-aventurança no logion, pois ela exalta o canto ditoso das almas que souberam converter-se em estéreis, vazias, secas, antes de sumir-se na “grande tribulação”. Das outras, das almas que ao apontar a transição do Ego à Palavra, ainda conservam algo de seu propósito de salvar sua vida mortal, já se advertem, nos sinópticos, as dores da solidão de sua paixão:
Os dias que aí se nomeiam são os “três dias” que em “figura” de solidão passou o profeta Jonas no ventre do cetáceo, e que segundo vaticínio antecedem sempre à manifestação do Filho do homem.
Esta é a Paixão do nascimento messiânico, pela qual Jesus havia de passar — pela “nação”, por todos — e ao explicá-la cheio de amor pelos que mais ou menos tarde poderiam enfrentar-se com sua própria Paixão pessoal, disse a seus discípulos, segundo consta no relato joanico:
Em verdade, em verdade, vos digo que vós chorareis e vos lamentareis, mas o mundo se alegrará; vós estareis tristes, porém a vossa tristeza se converterá em alegria. A mulher, quando está para dar à luz, sente tristeza porque é chegada a sua hora; mas, depois de ter dado à luz a criança, já não se lembra da aflição, pelo gozo de HAVER UM HOMEM NASCIDO AO MUNDO. (Jo 16:20-21)