Desse modo, a tese segundo a qual o Verbo feito carne, o Cristo enquanto homem e, assim, enquanto homem deste mundo, visível nele, seria como tal a condição da Revelação de Deus e esta mesma Revelação, essa tese se encontra todas as vezes desmentida pelo contexto das proposições onde se crê encontrá-la. Veja-se o primeiro contexto: “O Verbo se fez carne, e habitou entre nós; [118] e nós vimos a sua glória, glória que ele tem junto ao Pai como Filho único, cheio de graça e de verdade”. “Glória” no texto joanino quer dizer o mesmo que VERDADE, que Revelação. A Revelação que permite contemplar a Cristo, na qual ele se revela e pode assim ser reconhecido como tal, é sua glória de Filho único que ele tem de seu Pai, sua glória de Arqui-Filho – a saber, sua revelação própria enquanto autorrevelação de Deus. Porque “glória” não designa nada além desta revelação própria do Arqui-Filho como auto e arquirrevelação de Deus mesmo, isto é, como a essência original da vida, a problemática da glória se junta à do testemunho. Esse testemunho que, como se mostrou, Cristo não espera de nenhum homem, mas somente de seu Pai, e isso porque, como o veremos, sua glória é a glória do próprio Pai – porque enquanto Arqui-Filho, sua revelação é a autorrevelação de Deus e só é possível como tal. MHSV: V
Substituir uma fenomenologia por outra, a do mundo pela da Vida, pela do Logos, não é ignorar o poder de manifestação que pertence àquele, mas é circunscrever de modo rigoroso seu domínio e, assim, sua competência. Tanto para o pensamento tradicional como para a filosofia clássica, tanto para o senso comum como para a ciência, a pertinência dos conceitos que têm que ver com o conhecimento se funda de modo exclusivo sobre a fenomenalidade do mundo e sobre o ver que ela libera. Situando, ao contrário, a VERDADE original numa forma original de revelação que não pertence senão à vida e que consiste em sua autorrevelação – tirando a vida sua essência desta capacidade de se autorrevelar e sendo a única a poder fazê-lo –, o cristianismo realiza a inversão dos conceitos fenomenológicos que se encontram no fundamento de todo pensamento, mas antes de tudo da experiência sobre a qual este pensamento se modela. MHSV: V