Excertos traduzidos da apresentação da Glosa do «Paternoster», retirados de Voici maître Eckhart
A GLOSA DO PAI NOSSO atribuída ao irmão Gheraert Appelmans só é conhecida por um manuscrito atualmente na Biblioteca Real de Bruxelas. Do autor nada se sabe, senão que levava «uma vida de penitência» em uma floresta, próxima a cidade cujo nome foi infelizmente riscado do manuscrito.
Pensa-se que antes de ser eremita, Appelmans recebeu uma formação escolástica, que até ensinou, se se julga por seu estilo didático, seu vocabulário técnico, suas colocações que evocam o método da quaestio: «E pergunto se… respondo não… e o provo». Seu Comentário do Pai Nosso se dirige manifestamente a um auditório de pessoas formadas ou pelo menos capazes de receber sua mensagem, difícil quanto a seu conteúdo teológico, exigente quanto a suas consequências éticas.
O texto se apresenta como uma exposição do Pai Nosso versículo por versículo, até palavra por palavra. O autor concebe como uma meditação muitas vezes retomada sobre o Ser de Deus e as relações intra-trinitárias.
Appelmans designa o Pai como um «é», uma substância simples, auto-suficiente posto que nada pode lhe adicionar nem retirar. Ele é «uni-poderoso», o eremita forjando este adjetivo para designar o poder de Deus em sua Unidade.
Se o homem pode conhecer Deus pelo intelecto, o amar de amor, não poderia em nenhum caso o compreender tal qual é nele mesmo, em sua transcendência abissal que supera todos os espíritos criados.
É sobre a relação Pai-Filho que Appelmans põe toda ênfase: com efeito, se o lugar do Espírito Santo não é esquecido, ele é descrito com a mesma precisão. Seu papel é de conferir a graça. Da relação Pai-Filho depende toda a relação Deus-homem. Por graça, e não por natureza (o que exclui toda tentação de panteísmo), as criaturas são oriundas de um processo análogo. O nascimento das criaturas se realiza no Filho. Temos aí uma belíssima formulação do «exemplarismo» pelo qual tudo o que é conhecido do Pai de toda eternidade preexiste igualmente no Filho, Imagem perfeita do Pai, e arquétipo de todas as criaturas.
Posto que somos filhos e Deus nosso Pai, seu nome, recebido do Filho pelo Pai, nos pertence também por graça e seremos unidos e santificados no nome, na medida que amemos e conheçamos o nome do Filho do Pai por natureza, o Verbo.
Nome e reino vão de par: o reino de Deus está aí quando o Filho se re-nasce e nós nos re-nascemos com o Filho em confessando o Pai no Filho. É pela escuta interior que recebemos o Verbo.
No hoje em dia de Deus, recebemos a luz da luz, segundo uma formulação trinitária implícita.