Gênese

GÊNESE — CRIAÇÃO — GERAÇÃO

VIDE: GENNESIS; CRIAÇÃO; BERESHITH; GENESIS; POIEIN; ANTHROPOS; FILIAÇÃO

Mestre Eckhart: SERMÕES ALEMÃES, trad. ENIO PAULO GIACHINI

O sentido do ser do mundo medieval se chama filiação divina. Em sua estruturação ontológica se dá a subsunção do ser da existência artesanal medieval pelo sentido do ser da dinâmica filiação divina. Se evitarmos rigorosamente entender os termos constitutivos dessa dinâmica como, por exemplo, pessoa, geração ou filiação e tudo que diz respeito à vida íntima de Deus, portanto à Abgeschiedenheit, a partir e dentro da compreensão que não venha a não ser dela mesma, e se tentarmos entender todas as outras compreensões do ser, a partir da Abgeschiedenheit, então o fantasma do panteísmo se esvai. E aparece a sonoridade de fundo, a partir e dentro da qual devemos ouvir a toada universal da presença operativa, isto é, do wirken, do Werk e da Wirklicheit da bondade difusiva do Pai-Filho-Espírito em todos os entes, desde os mais sublimes até os mais insignificantes, como imenso, profundo e originário abismo do encontro no Amor que nos amou e gerou primeiro.

A atuação de Deus, denominada criação e considerada apenas ou preferencialmente a partir e dentro do sentido do ser da existência artesanal, tem o correlativo agente dessa ação que se denomina Deus Criador. Essa consideração, cuja perspectiva não leva em conta a subsunção e transformação desse ser da existência artesanal pelo sentido do ser da filiação, denomina uma tal ação de atuação ad extra (para fora) de Deus, e aqui Deus é considerado quoad nos (referido a nós). Como o sentido do ser operante em uma tal criação e correspondentemente em seu agente, a saber, no Criador e no seu efeito Criatura, é o sentido do ser do ente simplesmente dado como “coisa”, todo o cuidado a ser tomado é para que a aproximação e o contato Deus-Criatura não nos levem a um panteísmo. No momento em que se leva em conta a subsunção e transformação desse sentido do ser da existência artesanal através do sentido do ser da filiação, tudo muda, de tal forma que aqui a possibilidade de um panteísmo só surge se não se guardar com precisão o sentido do ser operante nessa nova concepção de Deus (Abgeschiedenheit), e na dinâmica da filiação que de lá eflui. Na leitura dos sermões de Eckhart é necessário guardar a precisão da ambiguidade, onipresente nos seus textos, proveniente dessa subsunção “ontológica” realizada pelo sentido do ser da Abgeschiedenheit, do sentido do ser da criação e da causação.


Frithjof Schuon: O Esoterismo como Princípio e como Via

Por certo, nada teríamos a objetar contra a “gratuidade” da criação, se isto significasse que Deus cria sem ser obrigado por outra força a não ser Ele mesmo. Mas essa “gratuidade” não pode significar verdadeiramente que Deus não obedece à sua própria natureza ao criar o mundo, isto é, que sendo Deus ele possa deixar de criar. A teoria hindu dos ciclos cósmicos — yuga, mahayuga, kalpa, para — apresenta bastante explicitamente o ritmo criador que emana da própria natureza divina, isto é, deste poder resplandecente — Mâyâ — exigido pela infinidade do Princípio. E conhece-se esta ideia agostiniana; o bem, por definição, tende a comunicar-se; mas Deus é o Soberano Bem.
…a narração bíblica da criação do mundo material implica simbolicamente a descrição da cosmogonia integral, portanto, de todos os mundos, e mesmo a dos arquétipos eternos do cosmo. A exegese tradicional e principalmente a dos cabalistas confirmam isso.

Leo Schaya: A CRIAÇÃO EM DEUS
A doutrina da criação, comum às três religiões irmãs, difere, com efeito, segundo a interpretação exotérica ou esotérica — ou mística — da Escritura; trata-se de duas exegeses diferentes da Revelação, exegese que se deve distinguir, por definição, da Palavra divina e que são adaptadas, por um lado, às faculdades de compreensão média da massa dos crentes e por outro lado, à inteligência superior, à natureza contemplativa e intuitiva da elite espiritual. A Revelação divina mesma se leva em conta a necessidade de sua adaptação às necessidades cognitivas desiguais dos homens: suas própria formulações se prestam a múltiplas interpretações, requeridas para responder às necessidades intelectuais e teleológicas dos fieis, necessidades de causalidade e de finalidade visando fundamentalmente a salvação da alma individual — sua coexistência bem-aventurada e paradisíaca com Deus —, e, em particular, a realização espiritual de Sua Essência pelo seres prontos a se apagar e a se reintegrar nEla.

Pierre Gordon: A IMAGEM DO MUNDO NA ANTIGUIDADE


Paul Nothomb: O VERBO «CRIAR» NO GÊNESIS


Michel Henry: ENCARNAÇÃO

O Gênese é a primeira exposição conhecida de uma teoria transcendental do homem. Por «transcendental», entendemos a possibilidade pura e apriórica da existência de algo tal como o homem. Trata-se da essência do homem, como se fala de uma essência do círculo, quer dizer da possibilidade interior de algo como um círculo, sem se preocupar em saber quando os homens pensaram pela primeira vez em um círculo e não mais em um redondo, quando compreenderam sua idealidade, isto que é a idealidade em geral, etc. Da mesma maneira, a questão da condição interior de possibilidade de uma realidade tal qual a nossa nada tem a ver com a aparição histórica e factual dos homens sobre a terra, com seu desenvolvimento empírico. Além do mais esta concepção da essência apriórica do homem marca o momento onde se pôde falar de um homem pela primeira vez. Adão é o primeiro homem neste sentido eminente em que é o arquétipo de todo homem concebível, esta essência do humano que se encontrará inevitavelmente em todo homem real.