Relato dos Seis Dias: Gn 1,2 – Tohu-Bohu

Chouraqui

2 la terre était tohu-et-bohu, une ténèbre sur les faces de l’abîme, mais le souffle d’Elohîms planait sur les faces des eaux.

Nothomb

[(1,2 O futuro mundo era tohu-bohu: e da obscuridade acima de um um abismo e do vento — “Deus” — planando acima das águas.)]

Normalmente em hebreu o verbo precede o sujeito. Aqui é o inverso e o verbo “ser” está no “finalizado”, o que indica que não se trata da proposição principal que se espera mas de um incidente à subordinada, descrevendo em qual situação a ação que ela anuncia se produziu. É um desmentido ao dogma da “Criação ex nihilo”. Antes da Criação afirma aqui a Bíblia, nada havia. Havia o “tohu-bohu” sem formas nem cores e as águas simbolizam a maneira indiferenciada, acima da qual plana um vento, alegoria da energia divina. O texto fala de “terra” ‘R(TS) no sentido de “mundo” que traduzo por “futuro mundo” para compensar o imperfeito que substituo pelo mais-que-perfeito virtual do verbo “ser” que chamo seu “finalizado” (completo).

Este versículo toma partido na querela moderna sobre a existência, postulada pela Ciência clássica, de um mundo “objetivo”, independente da observação que dele se faça. Para o “construtivismo” um tal mundo, que chamamos a realidade, com suas riquezas, suas formas, suas cores, suas leis, é uma invenção do cérebro humano. Se para a Bíblia, acabamos de ver, existe algo antes da Criação, logo antes do Homem, consideremos que a “matéria eterna” não é um mundo. A Criação é a Criação do mundo, que começa por aquela da Realidade na cabeça do Homem que dá uma ordem, um sentido ao caos primordial que dele não tem nenhum. E mesmo se a “Queda” degradou esta Realidade da origem, é sempre a partir do que lhe resta, que o cérebro humano inventa hoje em dia ainda seu meio, que chamamos erroneamente a realidade, ou o mundo objetivo. O “construtivismo” seria portanto mais “bíblico”…

Nothomb em outro livro, Le second récit, força uma tradução do verbo no imperfeito para destruir a tese da creatio ex nihilo, que não é bíblica. Criar, aqui, é dar um sentido ao caos preexistente, é uma operação mental. Este caos é evocado nos termos mais vagos possíveis, em contraste com a clareza dos conceitos que vão decorrer desde o versículo seguinte do princípio de Causalidade expresso no início.

Tohu waBohu, ou o clássico Tohu Bohu, são duas palavras que se acompanham e podem ser lidas com expressão de dois verbos significando “surpreendam-se e fiquem de boca aberta”, ou ainda “não tentem compreender”; a coisa é inconhecível sem sujeito conhecedor, que não existe antes da criação. O autor do texto sai aqui do estilo narrativo para se dirigir ao leitor. É a única vez.

Assim, neste livro Nothomb opta pela seguinte tradução: “O futuro mundo era. Não tente compreender: da obscuridade acima de um abismo, e do vento — Deus — planando acima das águas”.

Souzenelle

[(E a terra é forma e vazia, as trevas estão sobre a face do abismo e o Espírito de Deus plaina sobre a face dos águas)]

A mensagem divina é dada aqui em três tempos
segundo um balanceamento que vai do seco ao úmido,
contrariamente ao versículo precedente onde Deus cria o úmido e o seco

Neste segundo versículo revelado em três tempos, a mensagem divina precisa o conteúdo do primeiro. Notemos bem seu equilíbrio: começa pela «terra» e termina pelas «águas», inversamente ao que acaba de ser descrito, que começa por Shamayin, o úmido, para terminar pelo seco-terra, Erets.

O verbo empregado está no perfeito, que dizer na forma de algo cumprido. Não é um passado no sentido histórico; é antecipação em um presente. O presente, instante inalcançável, não existe senão em hebreu. Se existisse, ao nível do verbo Ser, seria YHWH, o Nome.

O presente é algo cumprido, logo participando da eternidade (Aleph). Participando do Aleph participa do Yod, que está inscrito no tempo. O Yod não ainda cumprido resplandece em dois He segundo o modelo absoluto YHWH. «a terra é…» exprime perfeitamente a ação de participação no Aleph que imediatamente remete ao Yod, o qual resplandece nos dois He dos quais um já é quase Tohou e cujo outro vai nos ser revelado Bohou.

“Informe e vazia” dizem as traduções que projetam uma ideia de caos para um começo histórico da terra.

Mas o sentido é mais profundo.

Este dois termos Tohou e Bohou são inseparáveis: eles são a personalização de cada uma das duas letras Taw e Beit que o sopro He de cada uma anima, tal aquele dos dois pulmões do arquétipo YHWH quando, com a tradição mística judaica, damos ao NOME sua “forma” de Espada.

Estas duas letras B e T formam o nome hebreu da “jovem” (Bat) da qual sabemos que é prenhe do Yod.

O Tohou WaBohou é portanto este resplendor do Yod no seio da criação Beit.

O Taw (já encontrado no coração do verbo ser na forma de cumprimento) é o “signo”, signo da encarnação pois sua origem é o signo da cruz, ponto de encontro do transcendente e do imanente do Aleph e do Yod. O Tohou dá portanto corpo à completude; dá forma a Erets, o seco que, em sua emergência à luz, é a parte masculina da “jovem” (a criação, cada ser humano) em relação aos Shamayim incompletos e logo fêmeas que permanecem ainda nas trevas.

Mas toda completude da criação-jovem constitui o corpo da esposa de Elohim.

É assim que ela se torna macho em relação a ela mesma, assim que ela põe no mundo um “filho” interior novo, que a jovem se constrói enquanto esposa de Elohim.

A jovem completada, macho (Tohou) em relação a ela mesma, é feminina (Bohou) em relação a Elohim.

Ela por conseguinte tanto mais “vazia” do Esposo quanto um real movimento de contração se efetuou, espécie de “coagulação” das águas se secando, que o terceiro dia nos revelará; o espaço no vazio da esposa chama as Águas-do-Alto.

Serão elas, estas Águas, aquelas do “Mar das Luzes” que virão penetrar a terra “forma e vazio”, realizado em baixo, e sedento do Esposo do Alto, e que a fertilizará.

A verdura e as árvores do terceiro dia serão os frutos das primícias do encontro da esposa e do Esposo.

O último fruto, aquele da terra totalmente realizada será YHWH. Ele abrirá o santuário das bodas do Esposo — Elohim e da Esposa — Adão advindo.

Fabre d’Olivet

2. Mais la Terre n’était qu’une puissance contingente d’être dans une puissance d’être ; l’Obscurité, force astringente et compressive, enveloppait l’Abîme, source infinie de l’existence potentielle ; et l’Esprit divin, souffle expansif et vivifiant, exerçait encore son action génératrice au-dessus des Eaux, image de l’universelle passivité des choses.

LXX

(1:2) η δε γη ην αορατος και ακατασκευαστος και σκοτος επανω της αβυσσου και πνευμα θεου επεφερετο επανω του υδατος

Vulgata

(1:2) terra autem erat inanis et vacua et tenebrae super faciem abyssi et spiritus Dei ferebatur super aquas