Relato dos Seis Dias: Gn 1,1 – No princípio…

Chouraqui

1 ENTÊTE Elohîms créait les ciels et la terre,

Nothomb

[(Gen 1,1 Quando «Deus» Criou-na-cabeça-no-princípio a Realidade («o céu e a terra»).)]

A tradução clássica de nossas bíblias “No princípio Deus criou o céu e a terra” é combatida por Rachi que vê nesta primeira frase da Bíblia uma subordinada e não uma principal, e em seu verbo um infinitivo e não um “realizado”. Para Rachi deve-se ler “Quando Deus começou a criar o céu e a terra” pois isto não é uma sorte de advérbio mas uma espécie de conjunção que constitui a primeira unidade gráfica da Bíblia, composta de seis consoantes B R’ (SH) Y T (pronunciada “bereshit”).

Este “Bereshith” é muito importante. No judaísmo é o título do livro do Gênesis, e pode-se dizer que ele o resume por seu conteúdo “implicado”. Em jargão linguístico é um sintagma, composto de uma preposição e de um substantivo que em hebreu formam uma só grafismo, e que se pode traduzir “em um princípio” ou “com um princípio” ou ainda “por um princípio”. Mas este grafismo único em seu gênero pelo lugar que ocupa o é também pelo número de “significados” que guarda assim como bonecas russas. Se se para nestas três primeiras letras, tem-se BR’ (pronunciado “bara”) verbo que significa “Criar” e verdadeiro leitmotiv deste primeiro relato da Criação mesmo que aí só apareça raramente de maneira explícita. Se se para nas quatro primeiras letras, tem-se o sintagma B R’ (SH) (pronunciado “berosh” ou “barosh”) que quer dizer “em uma cabeça” ou “na cabeça” — e também “com” ou “por” “uma cabeça” ou “a cabeça”. E mesmos se se para nas cinco primeiras letras, o que não faço, isto quereria dizer ainda “em minha cabeça”. Enfim as seis letras do grafismo B R’(SH) Y T nos conduzem ao sentido englobante assinalado no início.

Literalmente o “significante” B R’ (SH) Y T pode logo se “desdobrar” em uma sequência de “significados” se ligando entre eles e se ler, ou melhor se entender “criou-na-cabeça-no princípio” o todo dando “no princípio” ou uma de suas variantes possíveis (ver acima) que para Rachi introduz, enquanto conjunção, o verbo que segue no texto. Ora este verbo é precisamente B R’ significando “criar” e esta vez graficamente isolado, tão bem que a segunda unidade gráfica da Bíblia reproduz as três primeiras letras da primeira, que a antecipam de alguma maneira nesta primeira posição, duas vezes ocupada. Aí vejo um convite do texto, cujas primeiras palavras certamente não foram escolhidas ao azar, a traduzir como eu o proponho acima, pondo o acento sobre “cabeça” no sentido próprio como no sentido figurado no ato da Criação.

A concepção tradicional com efeito — e para Rachi ainda, certamente, no século XI de nossa era — é de ler o relato, dito dos seis dias da Criação, como um ensaio — de nossos dias todavia ultrapassado — de cosmogonia “objetiva”. Mas penso ao contrário que se deve lê-lo como um ensaio — e este de modo algum antiquado — de cosmogonia subjetiva. Que tem lugar portanto não fora do Homem mas na sua cabeça e isso desde o “primeiro dia”. É o que vou tentar mostrar nestes comentários.

A terceira unidade gráfica da frase em hebreu é ‘L H Y M (pronunciado Elohim) que traduzo por “Deus”, as aspas refletindo minha desconfiança para com este nome vago e “passe-partout”, que não se precisará um pouco senão no segundo relato da Criação (anterior cronologicamente em sua redação, como se sabe, a este).

Quanto ao duplo complemente direto em hebreu do verbo BR’, a expressão que termina a frase e nossas bíblias traduzem literalmente “Céu e Terra – o céu e a terra” (ou “os céus e a terra” não importa), ela representa na minha opinião o primeiro exemplo, nos relatos das origens onde se contam vários, desta “reunião formal das noções contrárias”, procedimento da língua hebraica para sugerir, além da simples soma destes opostos aparentes, a ideia de uma totalidade perfeita. Aqui a Realidade, Criada no princípio na cabeça do Homem. Teremos uma confirmação ao final do relato.

Souzenelle

[(Gn 1,1 No princípio criou Deus os céus e a terra)]

No princípio é Elohim.

Elohim é princípio
Enquanto princípio Elohim se revela SER, Ele que não se pode contemplar senão além de toda realidade da qual somente a antinomia Ser–Não-Ser se dá conta.

Enquanto princípio, Ser, Elohim se limita. Ele o Infinito se faz «pobre».

Esta realidade é o axioma fundamental.

A primeira palavra do Gênesis contém a totalidade da mensagem dos cinco primeiros livros da Bíblia, diz a Tradição.

Feita de seis letras, oferece portas para se aproximar de seu coração.

Tomemos uma delas: descobrimos isto: Ponho, nomeio o Filho-Gérmen.

No princípio é Elohim
Elohim põe o Filho-Gérmen, fundamento de sua criação
Ele o nomeia
o Nome YHWH é o fundamento da criação

Schaya

Lembremos a significação sefirótica da frase inicial: Bereshith («Ao início» ou «No princípio» inteligente e inteligível, que é Hokhmah, a «sabedoria» divina), bara («criou» ou «Ele criou», quer dizer que a partir «dEle» que em verdade é inefável, mas que se denomina Kether, «Coroa», a partir dEle, o Sobre-Ser não causal e indeterminável, o Ser se determina eternamente enquanto Ser causal e Finalidade de todas as coisas, denominado) Elohim («Deus» ou lit. «Deuses»: é a Sephirah Binah, a «Inteligência» onto-cosmológica, que implica as sete Sephiroth da construção cósmica, das quais as seis ativas são denominadas simbolicamente) eth hashamaim («os céus», a saber Hesed, Din, Tiphereth, Netsah, Hod, Yesod, «Graça, Juízo, Beleza, Vitória, Majestade, Fundamento», (ao passo que) veeth haarets («e a terra» significa a Sephirah receptiva, o Receptáculo de todas as outras Sephiroth: Malkhuth, o «Reino» de Deus que O torna imanente e onipresente).»

Fabre d’Olivet

1. Dans le Principe, Ælohîm, LUI-les-Dieux, l’Être des êtres, avait créé en principe ce qui constitue l’existence des Cieux et de la Terre.

LXX

(1:1) εν αρχη εποιησεν ο θεος τον ουρανον και την γην

Vulgata

(1:1) in principio creavit Deus caelum et terram