Filoteu Sinaita Nepsis 21-30

Filoteu o Sinaíta — QUARENTA CAPÍTULOS SOBRE SOBRIEDADE E VIGILÂNCIA

22. A lembrança suave de Deus (mneme Theou), isto é, de Jesus, acompanhada de ira sentida e de benéfica amargura, pode a qualquer momento reduzir a nada toda a fascinação dos pensamentos (logismos), a diversidade das sugestões (peirasmos), palavras (logos), sonhos, imaginações (phantasia) tenebrosas; em resumo, todas as armas e todas as táticas que o artesão da morte emprega cinicamente, para devorar nessa alma (psyche). A invocação de Jesus consome tudo isso com facilidade, pois não há salvação a não ser em Jesus…

23. A toda hora e a todo momento, guardemos nosso coração (kardia), ciosamente, dos pensamentos (logismos) que escurecem o espelho da alma (psyche); espelho que sua natureza destina a receber os traços e a impressão luminosa (phôteinographêistai) de Jesus Cristo… Procuremos o reino dos céus dentro do coração (kardia) e certamente encontraremos a pérola… contanto que purifiquemos os olhos de nosso espírito (nous).

24. A sobriedade (nepsis) purifica a consciência e a faz brilhar. Assim purificada, a consciência expulsa de seu seio todas as trevas; dir-se-ia uma luz que brilha de repente, quando se retira o véu opaco que a dissimulava. Se tentarmos alcançar essa sobriedade (nepsis) atenta e constante, a consciência mostra de novo o que tínhamos esquecido, o que lhe escapava. Ao mesmo tempo, graças à sobriedade (nepsis), ela ensina a guerra do espírito (nous) com o inimigo (diabolos), e os combates (agon) de pensamentos (logismos). Revela como lançar os dardos, nesse combate (agon) singular; como atingir em cheio os pensamentos (logismos), com pontaria exata, ao mesmo tempo em que se protege o espírito (nous) dos ataques e, refugiando-se, das trevas funestas, na desejada luz de Cristo. Quem provou dessa luz, me entende. Essa luz, uma vez provada, tortura a alma (psyche) cada vez mais, com verdadeira fome: a alma (psyche) come, sem nunca se saciar; quanto mais come, mais fome tem. Essa luz atrai o espírito (nous), como o sol atrai o olhar. Luz inexplicável em si mesma e que no entanto se faz explicável, não em palavras, mas na experiência de quem dela goza ou, mais exatamente, de quem é atingido por ela. Essa luz impõe-me o silêncio, embora meu espírito (nous) sentisse prazer em estender-se mais…

25. … Escuta como se deve travar em nós essa guerra, dia após dia, e segue meu conselho: une a oração (euche) à sobriedade (nepsis); a sobriedade (nepsis) purificará a oração (euche) e a oração (euche) a sobriedade (nepsis). Porque a sobriedade (nepsis) é um olho perpetuamente aberto, que reconhece os intrusos, barra-lhes a entrada e apressa-se a invocar Nosso Senhor Jesus Cristo em socorro, para expulsar esses adversários perigosos. A atenção (epimeleia) obstrui o caminho por meio da resistência; e Jesus, imediatamente invocado, expulsa os demônios (diabolos) e seu cortejo de imaginações (phantasia).

26. Guardai vosso espírito (nous) com a atenção (epimeleia) mais intensa. Assim que observardes um pensamento, resisti a ele e ao mesmo tempo apressai-vos em invocar Cristo Nosso Senhor, para que ele exerça sua vingança. Não tereis ainda acabado de invocá-lo, e c doce Jesus vos dirá: “Eis-me aqui, perto de ti, para te socorrer”. Quando vossa oração (euche) tiver subjugado os inimigos, prestai novamente atenção (epimeleia) a vosso espírito (nous). Então virão ondas e se arremessarão sobre vós, cada qual mais possante que outra. Vossa alma (psyche), como um joguete, estará ameaçada de soçobrar. Mas Jesus é Deus e, ao chamado de seus discípulos, dará ordens aos sopros do mal. Quanto a vós, quando os ataques do inimigo vos deixarem um momento de repouso (hesychia), glorificai aquele que vos salvou e vivei no pensamento da morte.

27. Caminhemos com perfeita atenção (epimeleia) do coração (kardia), exercida do fundo da alma (psyche). A atenção (epimeleia), diariamente aliada à oração (euche), produz uma espécie de novo carro de fogo que arrebata o homem para o céu. O que estou dizendo? O coração (kardia) abençoado do homem solidamente firme na sobriedade (nepsis), ou que nela se esforça, torna-se um céu interior, com sol, lua, astros, e abeira-se de Deus, o Inacessível, por meio de uma ascensão e de uma visão misteriosas. Aquele que ama a divina virtude deve esforçar-se a todo memento em pronunciar o nome do Senhor e fazer as palavras transformarem-se em ação, com todo o ardor de que é capaz. O homem que usa de certa violência contra os cinco sentidos, para reprimi-los e impedi-los de prejudicar a alma (psyche), torna muito mais fácil ao espírito (nous) o combate (agon) interior do coração (kardia). Ele repele o mundo exterior através de certos recursos, luta contra os pensamentos (logismos) nascidos desse mundo, por meio de astúcias espirituais: maltrata, pelo cansaço das vigílias, os prazeres da carne; impõe-se privações no beber e no comer, e submete bastante o corpo (sarx), para facilitar antecipadamente a guerra do coração (kardia). Todo o proveito será vosso. Torturai a alma (psyche) pelo pensamento da morte, recolhei vosso espírito (nous) disperso, através da lembrança de Jesus Cristo, principalmente à noite; pois, o espírito (nous) é em geral mais puro nessa hera, mais cheio de luz, mais disposto a contemplar Deus e as coisas divinas, com lucidez.

28. … Não nos esquivemos, com desculpas de mau pagador, às sugestões incessantes e salutares da consciência, quanto a nossa conduta e a nossos deveres, principalmente, quando ela foi purificada por uma sobriedade (nepsis) eficaz, exercida na ação minuciosa do espírito (nous). O efeito natural dessa pureza é fazê-la emitir juízos objetivos e isentos de hesitação…

29. O fogo de lenha desprende uma fumaça que irrita os olhos; mas, quando aparece a luz, o prazer substitui a irritação. Do mesmo modo, a atenção (epimeleia), por meio da obediência imposta ao olhar, produz abatimento. Mas Jesus, invocado, chega e traz a luz ao coração (kardia). A lembrança de Jesus, unida à iluminação, nos conduz ao bem supremo.