Tomás de Aquino — Summa theologica I.a Il.ae, q. III, art. 8
A FELICIDADE DO HOMEM CONSISTE NA VISÃO DA ESSÊNCIA DIVINA
A felicidade última e perfeita só pode estar na visão da divina essência, para cuja evidência devem ser consideradas duas coisas: Primeira, que o homem não é perfeitamente feliz enquanto tiver algo por desejar ou buscar. Segundo, que a perfeição de qualquer potência se aprecia pela razão de seu objeto. Ora, o objeto do entendimento é o que é, quer dizer, a essência da coisa, pelo que a perfeição do entendimento progride na medida em que se conhece a essência de uma coisa. Logo, se um entendimento conhece a essência de um efeito, de modo que por ele não pode conhecer a essência da causa, isto é, que não saiba a respeito desta o que é, não se diz que esse entendimento perceba a causa simplesmente, ainda que por meio do efeito se possa conhecer que a causa existe. E, portanto, fica naturalmente para o homem, quando conhece um efeito e sabe que tem causa, o desejo de saber também o que é a causa, e esse desejo é de admiração, e produz a investigação; por exemplo, quando alguém, ao contemplar um eclipse solar, considera que procede de alguma causa, e então se admira por não saber o que é, e, ao admirar-se, investiga; e esta investigação não conhece trégua até chegar a conhecer a essência da dita causa. Assim, pois, se o entendimento humano, ao conhecer a essência de algum efeito criado, não conhece de Deus a não ser sua existência, sua perfeição ainda não alcança simplesmente a causa primeira, restando-lhe ainda o desejo de inquerir acerca da dita causa, pelo que não chegou a ser perfeitamente feliz. Assim, pois, para a felicidade perfeita se requer que o entendimento alcance a essência mesma da primeira causa, e deste modo obterá sua perfeição pela união a Deus, como ao objeto em que unicamente consiste a felicidade do homem.