Giuseppe Faggin — Meister Eckhart e a mística medieval alemã
Suso atira ao Reno seus instrumentos de tortura e se enfrenta com a vida: de agora em diante trabalhará para a salvação espiritual dos homens e com a ação e a resignação provará a si mesmo a consistência de seu espírito renovado. Nesta segunda parte de sua vida, que vai desde os 40 anos até sua morte, tem que suportar as provas mais terríveis. Seu destino é que o tratem como a esse trapo gasto que às vezes entretinha um cachorro em frente de sua cela, enquanto uma voz invisível lhe diz: “Assim estarás tu também na boca de teus irmãos”. As calúnias mais vulgares caem sobre ele: um rapaz o acusa de roubar um ex-voto; outra pessoa o acusa de envenenar as fontes e de favorecer os delitos dos judeus; outra, de haver retido consigo, simulando uma herança, uma quantidade de dinheiro que um desconhecido havia oferecido ào convento: outra, de haver contribuído para planejar um falso milagre. A perversidade dos homens se agregam os sofrimentos físicos: um dia cai gravemente enfermo e chega à beira da morte; outra vez, ao regressar de Estrasburgo, cai no Reno e é salvo com dificuldade por um noviço da Ordem teutônica. Mas a taça ainda não está cheia: era necessário que também seu bom nome fosse pisoteado no que um monge deve considerar de mais sagrado. Suso é acusado por uma penitente de ser o pai de seu filhinho. Os anjos podiam realmente fazê-lo cantar a missa dos mártires! Rechaçado por seus próprios confrades, Suso aceita todas as dores, sempre com a mesma serenidade e em seus inimigos vê os colaboradores da eterna Sabedoria; e para que nem uma só gota de vontade ainda reste nele — talvez por causa da denúncia daquela mulher — é trasladado de sua predileta Constância para Ulm (1348-1349).
Passou os últimos vinte e cinco anos de sua vida de apostolado desenvolvendo sua obra de pregador entre os amigos de Deus, especialmente nos conventos femininos, despertando fervores e entusiasmos. Desde os mosteiros da Suíça até a Holanda prodigou sua generosa alma e reanimou, naquela época religiosamente perturbada e desorientada, como um perfeito cavalheiro de Cristo, a fé no Invisível. De perto, com a palavra e o consolo, de longe com a correspondência viva e fervorosa. Entre as religiosas que tiveram com ele relações epistolares, se destacou logo Isabel Stagel, dominicana do convento de Töss perto de Winthertur, que breve seria sua confidente e sua colaboradora na redação definitiva de suas obras. Em 1326 revisou seus escritos alemães e publicou, com o título de Exemplar, a coleção completa dos mesmos, que compreende: um Prólogo (cuja autenticidade foi negada pelos mesmos adversários da Vida, mas que está confirmada por várias provas internas e externas); a Vida (I e II parte): Büchlein der ewigen Weisheit (Livrinho da eterna Sabedoria); Büchlein der Wahrheit (Livrinho da Verdade); Briefbüchlein (Livrinho de cartas).