Giuseppe Faggin — Meister Eckhart e a mística medieval alemã
Breve biografia
Henrique Suso nasceu perto de Constância — parece que em Ueberlingen — em 21 de marco de 1285 ou,mais provavelmente,alguns anos mais tarde, em 1298 ou em 1300, filho de um senhor de Bem, homem “mundano” e de uma Seuse, “pessoa muito sofrida e plena de Deus”. Mais tarde o místico adotará definitivamente o nome da mãe, que passou para a história. Pouco ou nada sabemos de sua primeira juventude: ele mesmo nos conta em a Vida (c.20) que foi uma criança doente, exposta agraves e tediosos dias de enfermidade e que teve um coração selvagem (wildes Herz). Aos 13 anos, atraído por um ideal de ciência e de perfeição moral, entra no Convento dominicano de Constância e aos 17 inicia o noviciado, que dura um ano. Durante cinco anos sua vida transcorre por trás do muro do claustro, ordenada e silenciosa, mas ainda não tocada pelo Divino. Suso não sabe todavia desprender-se do encanto das coisas criadas, mas diante destas uma inquietude o agita e ele não sabe a que atribuir seu desejo. Mas o coração, desde sua juventude cheio de amor, já pressentia o chamado de um Bem inefável que haveria de proporcionar a paz às suas vagas aspirações. Um dia lhe aparece a eterna Sabedoria (assim denominava sempre o Verbo, a Cristo), que se lamenta com ele de haver sido exilada dos mosteiros e com uma luz interior o ilumina e o guia para uma nova vida. Mas a natureza ainda resistia: as coisas o tentavam com sua aparente doçura. Pouco depois do dia de Santa Inês, enquanto estava sozinho no coro depois do almoço, teve um segundo rapto; viu e sentiu o que nenhuma língua pode expressar: uma felicidade sem .forma e sem rosto, mas que trazia em si as felicidades de todas as formas e de todos os rostos, a doçura da vida eterna no silêncio e na quietude interior, a intuição estática de uma Unidade maravilhosa. O prodígio durou talvez uma hora. Quando Suso voltou a si, pareceu-lhe encontrar-se em um mundo estranho e vazio;seu corpo sentiu toda a amargura de deparar com as imagens habituais e lhe ficou na alma uma nostálgica sede de Deus. Desde então tomou por esposa a fiel e doce Sabedoria e sobre seu peito ensanguentado gravou as três letras do monograma de Cristo: IHS.
No Studium generale de Colônia termina os estudos teológicos e pode ouvir durante três anos a palavra de Meister Eckhart, cuja doutrina teocêntrica devia satisfazer por completo seu coração. Suso reduzia agora todo o pensamento ao seu íntimo amor e diante de cada coisa pensava no eterno Amado. Eckhart fazia deslizar em sua alma o alimento de sua especulação e com a força de suas audazes ideias corroborava e aumentava a chama de seu espírito. Não sabemos que estudos terminou em Colônia; sabemos, ao contrário, que nunca foi enviado a Paria para ali obter os mais altos graus acadêmicos e que não chegou a ser magister, mas unicamente lector. Em 1329, ano da condenação de Meister Eckhart, Suso não se encontrava em Colônia, pois era prior em Constância. As Hundert do venerado mestre, parecem ser deste ano. Com estes escritos começa para Suso um período de amarguras e angústias. Como o mestre, também o discípulo esteve implicado na acusação de heresia. O capítulo provincial de Utrecht de 1330 e o geral de Maastricht, do mesmo ano, denunciaram suas doutrinas como perigosas e nocivas. Em 1335 foi duramente repreendido no capítulo provincial de Bois-le-Duc; no ano seguinte foi deposto no capítulo geral de Bruges e privado do título de leitor.
Enquanto estes acontecimentos exteriores incidiam profundamente sobre seu ânimo e diminuíam cada vez mais a resistência de seu espírito, no segredo de sua intimidade amadurecia uma nova orientação moral. Durante vinte anos mais ou menos Suso se havia martirizado com distintos instrumentos de torturas sutilmente inventados por ele mesmo: pregos — cilício — agulhas cravadas na carne — cama dura, extraordinária flagelação. Expusera-se ao frio e, para aumentar a tortura da sede, havia parado muitas vezes para escutar o tentador borbulhar da fonte ou a contemplar as ondas do Reno. Assim, a primeira fase de sua vida, até os 40 anos, havia transcorrido entre sofrimentos voluntários e visões gozosas. Suso havia aprendido a suportar as dores criadas, com calculado propósito, por sua vontade própria, mas não havia ainda aprendido a aceitar sem revolta tudo o que lhe sucedia vindo do exterior e não de sua vontade: as torturas voluntárias ainda eram expressão de uma personalidade que queria afirmar-se a si mesma, isto é, expressão de um secreto orgulho não bem controlado. Mas uma visão lhe ensina que a verdadeira escola é a da resignação e que a maior sabedoria não consiste em colocar-se no lugar de Deus, mesmo que seja para criar-se a si mesmo os mais atrozes sofrimentos, senão em abandonar-se a Deus e esquecer nele a própria vontade e todos os desejos. Outra visão lhe anuncia lutas e dores ainda mais duras que aquelas que se havia ocasionado a si mesmo na intimidade de sua cela: não só seu bom nome será caluniado pela cegueira dos homens, não só encontrará infidelidade e dor onde seu coração sedento de afetos acreditava receber consolo, senão que sua alma será arrastada para a mais árida indigência e Deus mesmo o privará de suas íntimas doçuras. Mas uma voz interior lhe dá coragem e lhe promete estar sempre com ele e ajudá-lo a suportar todas as desgraças.