Pla
Jesus disse: O reino do Pai é semelhante a uma mulher que leva uma jarra cheia de farinha. Enquanto anda por um caminho distante, a asa da jarra quebra e a farinha se derrama atrás dela sobre o caminho. Não se dá conta e não descobre a desgraça. Quando chega a sua casa põe a jarra no solo e a encontra vazia.
Puech
97. Jésus a dit : Le Royaume du [Père] est semblable à une femme portant un vase plein de farire. Tandis qu’elle marchait [sur un] chemin éloigné, l’anse du vase se brisa, la farine se répandit derrière elle sur le chemin. Elle ne s’(en) aperçut pas, ne sut pas le malheur. [C’est-à-dire : elle ne perçut pas l’accident, n’en eut pas conscience et n’en fut pas troublée. Mais il est aussi permis de traduire : « elle n’avait pas su peiner ».] Quand elle arriva dans sa maison, elle posa le vase à terre : elle le trouva vide.
Suarez
I Jésus a dit : 2 le royaume du Père est semblable à une femme 3 portant une cruche pleine de farine. 4 Tandis qu’elle marchait sur un long chemin, 5 l’anse de la cruche se brisa, 6 la farine se déversa derrière elle sur le chemin. 7 Comme elle n’en sut rien, 8 elle ne put s’en affliger. 9 Rentrée dans sa maison, 10 elle posa la cruche à terre et elle la trouva vide.
Meyer
97 (1) Jesus said, “The [Father’s] kingdom is like a woman who was carrying a [jar] full of meal. (2) While she was walking along a distant road, the handle of the jar broke and the meal spilled behind her [along] the road. (3) She did not know it; she had not noticed a problem. [The editors of the Gospel of Thomas in Synopsis Quattuor Evangeliorum, ed. Aland, 542, prefer to emend (with Peter Nagel) to read “she had not noticed (anything) while toiled” (e[s]hise).] (4) When she reached her house, she put the jar down and discovered that it was empty.” [This parable is known only here in early Christian literature, though a somewhat similar story is found in “Macarius” of Syria.]
Roberto Pla
A parábola ilustra o mistério do pão da vida, o alimento que permanece para a vida eterna e que só vem do Filho do homem. A mulher, a alma, leva consigo quando vem ao mundo, uma jarra cheia de farinha, o que deve entender-se como a matéria prima, indispensável, para que toda alma que creia no Filho — o qual é sua essência, o Eu de seu eu — e vá a ele, tenha o pão que necessita para acalmar sua fome e sua sede de vida.
- Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que me buscais, não porque vistes sinais, mas porque comestes do pão e vos saciastes. Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará; pois neste, Deus, o Pai, imprimiu o seu selo. (Jo 6,26-27)
Mas a alma da parábola anda “por um caminho longe”. Não se diz de onde é longe este caminho, mas não é difícil supor que está longe do Reino do Pai e nenhum caminho nessa direção é adequado para ir ao Filho e receber dele o alimento que ele dá.
A ruptura da asa da jarra, talvez seja “figura” da perda da faculdade de fazer uso da farinha, a “carne”, em parábola, do Filho. A partir de então o caminho pelo qual transita “esta mulher”, se distingue, como tantos outros caminhos humanos, pela dissipação cotidiana do tesouro de Vida depositado em cada alma ao nascer.
A desgraça que supõe o manter esta atitude inconsciente “natural”, este “não dar-se conta”, ao tempo de dar cada passo, do desperdício do caudal próprio, é o que costumam descobrir poucas almas.
Só quando se chega ao final do caminho, quando a jarra já está na mão, senão no solo, é seguro que todas as almas “consintam” em olhar a jarra. Mas então a jarra está vazia.
A parábola descreve um acontecimento habitual, conhecido, mas não menos certo e penoso por isto. No entanto, no evangelho de João se diz:
Esta é a vontade de meu Pai: que todo o que veja ao Filho e creia nele,
tenha vida eterna, e que eu o ressuscite no último dia.
”Ver” ao Filho é discernir o Ser interior e reconhecer que realmente é o “Filho” enviado ao homem pelo Pai, com sua Glória e poder.
Leloup
- EVANGELHO DE JESUS:
- Porque meu marido não está em casa; foi fazer uma jornada ao longe; (Prov 7,19)
- aproximou-se dele uma mulher que trazia um vaso de alabastro cheio de bálsamo precioso, e lho derramou sobre a cabeça, estando ele reclinado à mesa. (Mt 26,7)
- Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não da nossa parte. (2Cor 4,7)
- E que direis, se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição; (Rom 9,22)
- O melhor paralelo deste logion se encontra no Evangelho da Verdade:
- “Aqueles que Ele (o Pai) ungiu são os gnósticos, pois estes são os vasos cheios que se cuida geralmente de selar. Mas quando a ação de um se difunde, ele se esvazia, e onde ele é deficiente é o lugar por onde sua unção se escorre, se perde. Mas aquele que é sem deficiência, nenhuma selo não lhe é subtraído, nem nada é esvaziado.”
- Somos esta mulher ou este vaso cheio de farinha que pode se tornar um bom pão. Somos esta humanidade chamada à Transfiguração.
- Mas o caminho é longo. A orelha do vaso pode se quebrar… A orelha, é aquilo pelo qual entendemos a palavra. Se ela se quebra, se cessa nossa atenção, pode-se perder a farinha. Perdemos nosso tempo, nossa humanidade. Não guardamos mais em nós a palavra, a informação criadora. “Isso entra por uma orelha e sai pela outra”.
- No momento do retorno, descobrimos que perdemos nosso tempo, nossa vida, muito tarde — o vaso está vazio.
- Lembra pela referência à falta de atenção, a parábola das virgens sábias e das virgens tolas, onde se recomenda vigilância
- A gnose valentiniana, a Sophia — a Sabedoria — pode se perder no distanciamento, no “esquecimento do Ser” ou na inconsciência.
- A gnose não é um saber sobreposto, mas uma consciência mais e mais viva a cada passo do caminho, uma orelha e um corpo atentos à proximidade do Ser.
Gillabert
- Sua versão da parábola é a mesma de Roberto Pla, diferindo apenas ao dizer sobre a mulher: “Como ela não sabia (que a farinha se perdia pelo caminho), ela não pode disto se afligir.
- Como no logion anterior o reino é comparado a uma mulher. Neste a farinha se perde pelo caminho sem que a mulher se interesse, enquanto no outro o fermento age porque a mulher o trabalhou com a massa.
- No caso do despojamento (da farinha), este se dá após uma longa caminhada que pode simbolizar o caminho da liberação.
- No caso do fermento este caminho se faz após um penoso trabalho antecedente (preparando a massa).
- Lembrar do Logion 8, onde o pescador avisado rejeitou todos os peixes pequenos ao fundo do mar e escolheu o grande peixe”: uma evidência como a da mulher da farinha.
- Lembrar do breve6748, onde o pastor pena em busca da ovelha única, como a mulher que prepara a massa.
- Estas diferentes parábolas mostram a diversidade dos caminhos. Se o objetivo é o mesmo, fazer dois Um, há em revanche tantas abordagens quanto buscadores.
Puech
- Oposição entre “cheio” (meh) e “vazio” (soueit), de acordo com o vocabulário de Valentim.
- Nesta parábola do Logion 97, que se pode encontrar paralelos nos fragmentos de Heracleon e no “Evangelho da Verdade”, ilustra-se a oposição entre o “cheio” e o “vazio”.
- Da mulher que anda “em um caminho distante”, portadora de um “vaso cheio de farinha” cuja alça se quebrou e que ao chegar ao final de sua caminhada, ela encontrará “vazio”; é dito expressamente que ela “não se apercebeu” do que lhe acontecia, que ela “não soube, não conheceu o infortúnio”.
- Esta aventura assim descrita parece simbolizar o drama da existência humana inteiramente passada na inconsciência e se afundando mais e mais na ignorância.
- Quem vem ao mundo, está afastado do “reino”, o lugar original de seu ser, e se ao longo do caminho não é advertido e instruído pela gnosis, se afasta mais e mais.
- Ignora que no início, devido a seu nascimento carnal, uma ruptura se produziu, que ameaça a integridade daquilo que era e possuía na origem em perfeição, em plenitude; não sente, nem se sabe já lesado e diminuído, nem mesmo em seguida, quando continuamente privado e despossuído de si mesmo; escapa a ele que escapa dele mesmo e espalha-se pelo caminho o conteúdo do vaso quebrado. À maneira da despreocupada mulher da parábola, não se dá conta nem do que perdeu nem da perda que sofreu e sofre; perde a sua revelia, não se apercebe que se perde e assim vai em sua perda.
- Saberá mais tarde quando chegado ao termo de sua caminhada, de sua vida e uma vez o vaso deposto; aí então só poderá constatar sua ruína e seu “vazio”.