Evangelho de Tomé – Logion 85

Pla

Jesus disse: Adão saiu de um grande poder e de uma grande riqueza, e ele não foi digno de vós; pois se houvesse sido digno, não teria provado a morte.

Puech

85. Jésus a dit : Adam est issu d’une grande puissance et d’une grande richesse, et il n’a pas été digne de vous; car s’il avait été digne, [il n’aurait] pas [goûté] de la mort.

Suarez

1 Jésus a dit : 2 Adam est issu d’une grande puissance 3 et d’une grande richesse 4 et il n’a pas été digne de vous ; 5 car eût-il été digne 6 qu’il n’aurait pas goûté de la mort.

Meyer

85 (1) Jesus said, “Adam came from great power [Simon Magus was called the great power of God. Cf. Acts 8:9–10; Concept of Our Great Power.] and great wealth, but he was not worthy of you. (2) For had he been worthy, [he would] not [have tasted] death.”

Canônicos

Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porquanto todos pecaram. Porque antes da lei já estava o pecado no mundo, mas onde não há lei o pecado não é levado em conta. No entanto a morte reinou desde Adão até Moisés, mesmo sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão o qual é figura daquele que havia de vir. Mas não é assim o dom gratuito como a ofensa; porque, se pela ofensa de um morreram muitos, muito mais a graça de Deus, e o dom pela graça de um só homem, Jesus Cristo, abundou sobre muitos.. Também não é assim o dom como a ofensa, que veio por um só que pecou; porque o juízo veio, na verdade, de uma só ofensa para condenação, mas o dom gratuito veio de muitas ofensas para justificação. Porque, se pela ofensa de um só, a morte veio a reinar por esse, muito mais os que recebem a abundância da graça, e do dom da justiça, reinarão em vida por um só, Jesus Cristo. (Rom 5,12-17)


Comentários

Roberto Pla

Ao dizer “Adão”, refere-se o logion a toda geração humana, cujo protótipo, Adão, o Homem, foi “feito” em espírito, à “imagem” de Deus (v. Imagem e Semelhança) e “formado” (plasis), logo vestido, de alma dotada com um sopro temporal de vida (v. o estudo de Antonio Orbe, “ANTROPOLOGÍA DE SAN IRENEO”).

O “grande poder” que aqui se fala é o Filho do homem, Cristo interior, constituído em lâmpada oculta, colocada em Sião — o coração imaterial — como pedra eleita, preciosa, angular e fundamental, ou seja, como Espírito e força de Deus.

Quanto à “grande riqueza”, não é outra coisa que a alma, que quando toma posse dos “elementos do mundo” recobre com um véu de opacidade a luz do espírito que ela mesma veste. Os desaventurados ricos desta espécie são “pobres” em transparência e por tal desconhecem a bem-aventurança do Reino, a pedra eleita que mora em seu coração, e que está reservada aos “pobres” de espírito [Pobres em Espírito].

Se no logion não se menciona o corpo material de Adão, a “túnica de pele e carne” confeccionada por Deus e que sem dúvida deve figurar na descrição antropológica do homem completo, é porque Jesus só se refere aqui ao espírito e à alma enquanto estes são os dois centros de consciência que desde o ponto de vista dinâmico do evangelho são possíveis ao homem.

De pele e carne me vestiste, e de ossos e nervos me teceste. ( 10,11)

Esses dois centros mencionados no logion, espírito e alma, são o “natural”, o que está ativo em todo homem “nascido de mulher” e cujo destino é “diminuir” até alcançar a humildade, a cessação absoluta; e a consciência do renascido em Espírito, que deverá “crescer” até lograr a assimilação perfeita com Cristo. Destas duas formas de consciência do homem falou João Batista, o que foi qualificado como “o maior ente os nascidos de mulher”, quando disse: “É preciso que ele cresça e que eu diminua”.

Ao dizer isto João, explicava o que correspondia cumprir segundo o plano de Deus, posto que a “míngua” da alma vem sempre em testemunho da luz do espírito, e precisamente para dar este testemunho e que todos creram na luz, em Cristo, se diz no quarto evangelho que foi João enviado por Deus.

Na linguagem evangélica, a “diminuição”, a atenuação dos elementos do mundo na alma, é chamada “pobreza”, e quando esta “diminuição” é total, até o ponto de extinção, então se fala da morte, uma morte gloriosa da alma que leva à ressurreição em Cristo, segundo se diz naquele formoso apoftegma: “Se o grão de trigo não cai em terra e morre, fica ele só , mas se morre dá muito fruto”. Ficar “só” o grão é manter-se enraizado no consciente separado, em um eu adversário de Deus que Jesus anelava destruir, e o fruto da morte dessa insularidade é concluir a unidade no seio do Pai.

Roberto Pla estuda o simbolismo da Figueira a partir da ida de Jesus à casa de Zaqueu.

Quando se diz no logion que Adão “não tinha provado a morte”, não se diz do corpo, que o logion não menciona, nem do espírito que é imortal, senão da alma. O consciente de Adão não soube desprender-se de sua “grande riqueza”, não foi capaz de entregar-se por inteiro à morte para viver em Cristo.

A causa dos Adãos que morrem em sua alma é sempre a falta de no Cristo morador neles como sua própria essência, e por isto não alcançam a dizer à figueira: “arranca-te e joga-te ao mar”, ou ao sicômoro estéril: “arranca-te e planta-te no mar”. Se esta viagem e esta translação psíquica se explicou no evangelho é porque por devoção ao Jesus manifesto, ou por conhecimento do Cristo oculto como ser verdadeiro de um mesmo, é possível “diminuir” na alma até o ponto de morrer nela. E somente assim é possível transferir o consciente de vida mortal, já feito puro como o ouro e uma vez purgado como a prata, ao consciente de Cristo constituído em “poder e sabedoria de Deus”.

Roberto Pla conclui com uma reflexão sobre o Morrer.