Evangelho de Tomé – Logion 81

Pla

Jesus disse: Que aquele que chegou a ser rico, possa tornar-se rei, e que aquele que possui o poder possa renunciar. [Rico Tolo]

Puech

81. Jésus a dit : Celui qui est devenu riche, puisse-t-il devenir roi, et celui qui possède la puissance, puisse-t-il renoncer !

Suarez

1 Jésus a dit : 2 celui qui est devenu riche, 3 qu’il devienne roi, 4 et celui qui a la puissance 5 qu’il renonce.

Meyer

81 (1) Jesus said, “Let one who has become wealthy reign, (2) and let one who has power renounce it.” [Cf. 1 Corinthians 4:8; Gospel of Thomas 110; Dialogue of the Savior 129]


Comentários

Roberto Pla

Os dois desejos que expressa Jesus segundo o logion explicam o mesmo em distintas palavras: seu intenso anelo de que o fogo purificador que ele arroja sobre a terra, se incendeie nos corações de todos e se cumpra assim por inteiro o batismo de salvação em espírito que propõe o evangelho.

Vim lançar fogo à terra; e que mais quero, se já está aceso? (Lc 12,49)

O que “possui o poder” é o que nasceu do espírito e assim começou a coletar o fruto da Palavra [Logos]. Isto significa que esse homem compreendeu que o ego psicológico — o adversário — era uma criação individual de sua alma. A partir deste decisivo descobrimento, sua consciência encontrou em si mesma, no profundo, ao Filho, ao verdadeiro Eu Sou universal e eterno, e começou a crer nele com firmeza não destrutível. O evangelho se cumpre nele desde então segundo o mistério reservado pela Palavra a todos os que ingressam na missionária instituição dos Doze:

Porque não sois vós que falais, mas o Espírito de vosso Pai é que fala em vós. (Mt 10,20)

De um homem de tal fruto, de tal “poder”, pode e deve dizer-se o mesmo que de João Batista vaticinou o Anjo do Senhor quando, segundo se relata, apareceu a Zacarias: “Estará pleno de Espírito Santo … e irá diante (do Senhor seu Deus) com o espírito e o poder”.

O “espírito” é sempre a vida e a sabedoria de Deus, e o “poder” é a força (dynamis) para administrar esse fruto que não se “tem” mas que se “recebe” circunstancialmente em usufruto por vontade do Pai.

O que pede Jesus no logion é que quem receba este poder saiba usá-lo como um depósito que o Pai lhe confiou, como um tesouro que não é seu mas do Altíssimo. Nisto consiste a renúncia: não esquecer que o sábio se qualifica não pela sabedoria que tem, mas pela que recebe, e assim persevera a bem-aventurança celestial do pobre em espírito.

Quanto ao que “chegou a ser rico”, é, já se sabe, o que atesourou para si sem enriquecer-se “em ordem a Deus”. Essas riquezas podem ser materiais mas também psíquicas, e estas últimas são tanto mais perigosas porquanto se achegam para a alma sem reparar que esta, a alma, nunca fica assegurada por seus bens — a virtude e a sabedoria mundanas — senão naqueles que ouvem a Palavra de Deus e a cumprem.

Das riquezas “para si”, embora atesouradas com capa de ser cultura “para Deus”, fala Paulo Apóstolo em uma passagem bem conhecida e não muito praticada: “Se algum de vós se crê sábio segundo este mundo, faça-se néscio, para chegar a ser sábio, pois a sabedoria deste mundo é nescidade aos olhos de Deus” (1 Cor 3, 18-19).

O que pede Jesus ao que chegou a ser sábio ou rico, do mundo e néscio aos olhos de Deus, é que se apresse a tornar-se sábio entre os perfeitos, e não deste mundo, senão de Deus.

Sem dúvida, o que sobrevém por conta do menosprezo e abandono de tais riquezas “para si”, é a realeza do ungido, a do rei que não é da terra, segundo se disse: “Já tenho consagrado a meu rei em Sião meu monte Santo” (Sl 2,6).

O rei verdadeiro mora nesse monte Santo, em Sião, que não é da terra, senão o coração da Jerusalém celestial, e o sábio de perfeição, uno sem sabê-lo com seu Cristo oculto desde a eternidade, o descobre em si mesmo como seu Eu Sou por obra da fé. No homem está não só o Cristo oculto senão também sua mansão, uma das muitas mansões que Cristo declarou ter. Por isto diz Jesus: “Se tens fé, direis a este monte: Desloca-te de aqui para lá e se deslocará”.

Para o sábio de perfeição, ungido de sabedoria do céu, eleva o salmista seu grito vitorioso: “Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó entradas eternas, e entrará o Rei da Glória” (Sl 24:9).

A rigor, o rei da Glória não “entra”, senão que “está”. Quando o sábio em ser pobre em espírito descobre a semente de luz semeada nele desde o princípio dos tempos, nesse mesmo ato de descobrir, há um levantar-se os dintéis para começar o crescimento da Palavra em sua alma e penetrar nela por todas suas junturas. Esse é o sentido oculto dos louvores que com toda justiça se alçaram para cantar a Jesus, o Cristo manifesto e oculto, quando em sua Glória entrou em Jerusalém: “Bendito o rei que vem em nome do Senhor!” (Lc 19,38).

Estes louvores que nenhum dos quatro evangelistas canônicos esquece consignar em seu texto, constituem, no manifesto, um cumprimento do Oráculo do profeta Zacarias e ao mesmo tempo são a descrição “oculta” do instante transcendental, decisivo, da “vinda”do Filho do homem; a primeira noção do descobrimento firme do Cristo interior, manifestado desde então na alma como rei da Glória.

“Alegra-te muito, ó filha de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém; eis que vem a ti o teu rei; ele é justo e traz a salvação; ele é humilde e vem montado sobre um jumento, sobre um jumentinho, filho de jumenta” (Zac 9:9).

Roberto Pla então desenvolve um estudo sobre a “figura” do “jumentinho” que foi utilizado por Jesus para entrar em Jerusalém no Domingo de Ramos. Em seguida trata brevemente do simbolismo do Véu do Santuário que rasgou de cima a baixo no Calvário.