Evangelho de Tomé – Logion 71

Pla

Jesus disse: Derruba esta casa e ninguém poderá reconstruí-la. [Discórdia; Fogo sobre a terra]

Puech

71. Jésus a dit : Je renverserai [cette] maison et personne ne pourra la reconstruire.

Suarez

1 Jésus a dit : 2 je renverserai cette maison 3 et personne ne pourra la reconstruire.

Meyer

71 Jesus said, “I shall destroy [this] house, and no one will be able to build it [again].” [Cf. Matthew 26:61; Mark 14:58; Matthew 27:40; Mark 15:29; Acts 6:14; John 2:19. The restoration “[again]” is tentative (en[kesop]), and may require a small blank space at the end of the line. For this reason the editors of the Gospel of Thomas in Synopsis Quattuor Evangeliorum, ed. Aland, 537, prefer to restore to read “[except me]” (en[sabellai]).]


Comentários

Roberto Pla

A casa de que fala Jesus em várias ocasiões é a pessoa humana [prosopon] completa que constitui uma morada comum dos diversos princípios, de dentro e de fora, que nela confluem, convivem e se desenvolvem.

Declara Jesus seu propósito purificador e divisório com respeito a esta casa. Ambos atos são correlativos, pois os fatores da pessoa que não admitem o processo de katharsis resultam segregados pela ação do Cristo interior; a “casa” antropológica fica então derrubada sem reconstrução possível. Em definitivo, esta é a obra atribuída ao batismo em espírito e fogo: pôr nas mão de Cristo um instrumento que discrimina e limpa sua era.

Explica Jesus que pelo batismo de fogo que ele envia desde acima — desde o mais puro do homem — sobre a terra, sobre a “casa”, ocorrerá que tal “casa” ficará dividida, e que dos cinco moradores, quer dizer, dos cinco âmbitos, ou regiões da vida de que cada “casa” consta, “três serão contra dois”. Os três serão, então, para o fogo de dissolução, e os “dois”, se unem, uma vez derrubada a “casa”, em uma culminação celestial que não alcança aos outros “três”.

Os cinco habitantes da “casa” são mencionados pelo evangelho, não sem qualificá-los de “inimigos” que convivem, com o que se aponta que são de filiação oposta: o filho contra o pai; a filha contra a mãe, e por último, a nora, que se refere à mãe como sogra.

Tudo isso o profeta Miqueias havia explicado com precisão: “Pois o filho despreza o pai, a filha se levanta contra a mãe, a nora contra a sogra; os inimigos do homem são os da própria casa.” (Mi 7,6)

O texto de Miqueias permite comprovar que o Cristo que irrompe no interior de cada “casa” com seu fogo desagregador não é o Cristo “manifesto” que conhece e estuda a teologia eclesial, senão que uma vez mais os evangelistas Mateus e Lucas se referem ao Cristo interior, “oculto”, fundamento da Boa Nova, pois constitui uma das duas vertentes que o evangelho explica. Não há dúvida que só a este Cristo interior, integrado em toda “casa” humana, morador em todo homem que vem a este mundo, poderia se referir o profeta Miqueias quando mencionou o “filho” da “casa” inimizada que Jesus reivindica como alvo de suas ânsias purificadoras.

O “filho” de cada “casa” humana é o Filho do homem, e não resulta identificar a “filha” daquela vivenda com a alma. Quando esta recebe o impulso ascendente que nela suscita a “presença” do “filho”, se sente impelida ao enfrentamento com sua “mãe” natural, o “soma” ou corpo hílico que a todos acolhe com sua sombra sólida. Assume assim a tricotomia, espírito, alma e corpo, apontada pelo apóstolo como constitutiva do homem completo, a totalidade de seu ser.

Mas a personalidade humana que sugerem Miqueias e os evangelistas, não consiste somente na tricotomia paulina, pois a descrição completa requer a aceitação de um quinário onde os dois componentes não mencionados pelo apóstolo, isto é, o pai que o filho fere, e a nora que se levanta contra sua sogra, não são do céu, mas da terra, pois ambos formam com o soma o três, que pelo influxo do fogo enviado pelo filho, defronta-se com os dois — o filho (o espírito) e a filha (a alma) — que segundo o logion, se levantarão unidos.

Nada se encontra nos escritos canônicos que identifiquem diretamente estes dois personagens de baixo que conformam o quinário da casa humana.

Um pequeno tratado de origem gnóstico, provavelmente valentiniano, Os Livros do Salvador (constante da Pistis Sophia), dá alguma informação válida. Nele se fala muito da formação quinária do homem, que ao nascer traz consigo a força (o espírito), a alma, o soma, e o que no Livro se denomina o antimimo (o imitador, o substituto) do espírito. Cita também além destes a “moira”, que permanece na forma que veio ao mundo, sem se mesclar com os outros quatro, pois permanece na forma “em que veio ao mundo”. Com isto se quer dizer, talvez, que não constitui uma unidade de consciência com seus companheiros de morada embora a “moira” conviva com eles desde que nasce o pequenino.

Por outra parte, o tratado afirma inequivocamente que a informação em que se baseia para explicar essa família pessoal quinária parte da que proporcionam as explicações de Jesus segundo vêm consignadas no evangelho (vide Discórdia). No tratado se põe na boca de Maria essa perícope lucana e se declara que assim foi dito então em parábolas, o que “agora” — no tratado — explica com mais claridade o Salvador.

A boa nova extra evangélica oferecida pelo tratado é a identificação dos personagens do quinário. No seio da “casa” humana se inserem, como na tricotomia paulina, o espírito (o filho), a alma (a filha) e o corpo (o soma), e a estes há que agregar os dois personagens restantes daquela “casa”: a nora e o pai, designados no tratado como a “moira” e o “antimimo” do espírito, respectivamente

A única decisão hipotética a tomar é se a “moira” corresponde com efeito à “nora” do evangelho, e o “antimimo” é a denominação gnóstica do “pai” da “casa”, ou a designação deve ser ao contrário. Por muitas razões há que se inclinar pela primeira destas designações.

Após um estudo aprofundado da moira e do antimimo, Roberto Pla busca compreender os nomes testamentários do antimimo do espírito, recorrendo ao Apócrifo de João.