Pla
Jesus disse: Aquele que não odeie a seu pai e a sua mãe não poderá ser meu discípulo e o que não odeie a seus irmãos e a suas irmãs e não porte a cruz como eu, não será digno de mim. Odiar tua alma (Mt 10:39; Mt 16:25; Mc 8:35; Lc 9:24; Jo 12:25)
Puech
55. Jésus a dit : Celui qui ne haïra pas son père et sa mère ne pourra pas devenir mon disciple, et ( celui qui) (ne) haïra (pas) ses frères et ses sœurs et qui (ne) portera (pas) sa croix comme moi ne sera pas digne de moi.
Suarez
1 Jésus a dit : 2 celui qui ne récuse son père et sa mère 3 ne pourra devenir mon disciple 4 et celui qui ne récuse ses frères et ses sœurs 5 et ne porte sa croix comme je la porte 6 ne sera pas digne de moi.
Meyer
55 (1) Jesus said, “Whoever does not hate father and mother cannot be a disciple of me, (2) and whoever does not hate brothers and sisters and bear the cross as I do will not be worthy of me.” [Cf. Matthew 10:37–38 (Q); Luke 14:26–27 (Q); Matthew 16:24; Mark 8:34; Luke 9:23; Gospel of Thomas 101
Roberto Pla
Com o vocábulo “odiar” (gr. misei = odiar, detestar, aborrecer), quer expressar Jesus de forma gráfica que o que vem do mundo, sejam pais, irmãos, discípulos, a alma e seus conteúdos, ou a própria vida, se resultam dignos de ser amados é por causa da Palavra semeada pelo Pai e graças à qual pode ser cumprida sua vontade, pois esse e não outro é o veículo do verdadeiro amor.
O que pede com isso Jesus é a prática de um amor isento de apegos, livre de riquezas e tesouros terrenos, que acabam sempre por constituir-se em um falso “senhor” condicionante e incompatível com o “senhor” verdadeiro que está no mundo mas não é, certamente, do mundo.
Não é sempre fácil fazer uma distinção adequada destes dois senhores, e os evangelistas, e entre eles o evangelho de Tomé, não deixam de incluir de várias maneiras aqueles logia (p. ex. Odiar tua alma (Mt 10:39; Mt 16:25; Mc 8:35; Lc 9:24; Jo 12:25)) onde se explica que para Jesus e também para todo “filho de homem” o último vínculo de amor certo, a única fonte de unidade, vem do cumprimento da Palavra semeada em todos pelo Filho como grãos da Glória do Pai. Por isto se diz:
- Jo 17:22: E eu lhes dei a glória que a mim me deste, para que sejam um, como nós somos um;
Nessa glória única e ilimitada, própria da Luz e que possuem usufrutos os filhos da Luz, assim isenta de qualquer corporeidade física ou forma espiritual, e livre de qualquer apego ou condição psíquica, pensa Jesus quando se nega a reconhecer outro parentesco, outra mãe, irmãos ou irmãs que “aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a cumprem”.
- E, estendendo a mão para os seus discípulos disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos. Pois qualquer que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, irmã e mãe. (Mt 12, 49-50)
O separado existe pela glória de unidade que muitos não veem embora ainda neles esteja. Quem contempla essa glória indivisível na difícil transparência do divisível, ama este último, não pelo divisível senão pela glória que contempla e que é una com ele.
Nisso é no que quis especialmente Jesus ser entendido; nisso e em que quem ouça seu evangelho possa por ele levar seu olhar até os primeiros resplendores da glória de unidade para que a vejam em si mesmos e nos demais, tal como é certamente: uma torrente de felicidade e de amor. Por isso, quando em uma ocasião profetizou sobre Jesus o Sumo Sacerdote em exercício de sua função sacerdotal, disse que Jesus ia morrer — como assim foi — “para reunir em um aos filhos de Deus que estavam dispersos” (Jo 11,51).
A unidade de que se fala pertence à região da Glória, a qual é, segundo se diz, o manto de Luz do Pai, quer dizer, o Filho que manifesta ao Pai. Quanto aos filhos da luz são, em todos os casos, a consciência pura do homem, esse grande desconhecido do qual se disse: “E criou Deus ao homem a sua imagem” (Gn 1,27).
Mas no mundo, não há dúvida de que para o homem psíquico, ainda mais, para o Adão psíquico-hílico, a consciência da glória — do Si mesmo, do Eu, do Homem — consiste em um longo Caminho que há que transitar e que tem como fundamento renunciar, dia a dia, a tudo o que é separativo. Enquanto renúncia, esta ação se apresenta a cada um como se se tratasse de uma negação de si mesmo, mas logo se vê que não é isso senão uma negação — e a conseguinte renúncia — do “que não é” o si mesmo, de tudo o que não é a glória.
Como a negação não é fácil de efetuar, senão muito trabalhosa, se diz dela que há que tomá-la “cada dia” para andar com ela sem pretender salvar a vida ou a alma. A vida, não é a Vida senão viver do qual há que negar porque não é si mesmo, e a alma, o que cremos que é a alma, é somente uma sucessão de imagens de nós mesmos, aderidas erroneamente à Glória que realmente somos. Por isso está dito: “quem queira salvar sua alma, a perderá; mas quem perder sua alma por mim, esse se salvará” (Lc 9, 23-24).
Jesus olhava a unidade gloriosa dos filhos de Deus, por cuja proclamação evangélica haveria de morrer, quando disse em seu relato unitário, aquele que desde o Caminho da negação de tudo o que realmente não é si mesmo, desde a renúncia de andar com a cruz, há que entendê-lo em seu sentido pleno:
- porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me acolhestes; estava nu, e me vestistes; adoeci, e me visitastes; estava na prisão e fostes ver-me. (Mt 25:35-36)