Evangelho de Tomé – Logion 54

Pla

Jesus disse: Bem-aventurados os pobres, pois vosso é o reino dos céus. [Pobres de Espírito]

Puech

54. Jésus a dit : Heureux les pauvres, car à vous est le Royaume des cieux.

Suarez

1 Jésus a dit : 2 heureux êtes-vous, les pauvres, 3 parce que votre royaume est le royaume des deux.

Meyer

54 Jesus said, “Blessed are the poor, for yours is heaven’s kingdom.” [Cf. Matthew 5:3 (Q); Luke 6:20 (Q)]


Roberto Pla

Os “pobres” de quem fala o logion não são pobres pelo que têm senão pelo que não querem ter. Não se trata aqui de uma afirmação de ordem social senão religiosa e segundo ela, o que está desprovido do mundo, o que anda voluntariamente despojado dos tesouros da terra, é o único que deixa lugar em si mesmo para a abundância de Deus.

As condições do pobre têm cumprimento na consciência superior do homem, que habita no “telhado da casa“, segundo diz o evangelho, quer dizer na região do espírito, do Eu Sou, puro, desnudo, apartado de toda estrutura psicológica que compõe o que chamamos alma, e que por não se afastar dela, se cobre de riquezas de todas as classes. É ali no alto onde fora da morada e sem intenção de “baixar a recolher as coisas da casa”, vive o Filho do homem em sua pobreza gloriosa, pois está dito: “Não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8,20).

Cada pobre de espírito (cada “pobre” por ser espírito) é, como bem se entende, um filho da luz, uma chispa do lar de Deus cujo reino foi sempre o do Pai embora transitem como cativos na consciência. A eles anuncia Jesus a liberdade não para redenção – redimi-los da pobreza senão do cativeiro.

  • O Espírito do Senhor está sobre mim, porquanto me ungiu para anunciar boas novas aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos, e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, (Lc 4:18)

Mas isso, segundo o logion não promete Jesus aos pobres o Reino dos Céus, pois do céu são oriundos e no céu estão sempre, embora adormecidos. De não ser filhos do céu jamais poderiam acceder a ele, pois isto se explicou claramente: “Ninguém subiu ao céu, senão o que baixou do céu: o Filho do homem que está no céu” (Nascer do Alto (Jo 3,1-21)). O que Jesus faz é recordar a tais pobres que são do Reino: “Vosso é o Reino — diz —; e logo os exorta a manifestar-se como luz segundo a luz do Cristo, como se os recitara aquele hino primitivo:

Desperta-te, tu que dormes
e levanta-te de entre os mortos (Efésios 5,14).

Com bom conhecimento da ordem lógica põe Mateus depois da bem-aventurança dos pobres aquela outra que fala dos mansos, e a que há que se referir pois em muitos sentidos são ambas complementárias: “Bem-aventurados os mansos pois possuirão em herança a terra” (vide Bem-aventurados os mansos). Se os pobres pertencem ao céu, os mansos ou humildes são da terra, pois eles são o povo de salvação que cresce entre os “ricos” de maneira similar a como produz espigas a boa semente entre a cizânia.

A riqueza é a soma de componentes da estrutura psíquica, a qual se manifesta sempre, por inércia, apegada ao — ao tesouro terrenal — do qual são formados Adão e seus psíquico – filhos da progenitura psíquica. Todos eles ignoram que a “forma” na qual os plasis – plasmou YHWH Deus serviu para albergar não somente o sopro de vida limitada senão especialmente ao “homem” — e por conseguinte aos filhos do homem — feito a imagem de Deus no sexto Dia.

O pobre e o rico são juntamente os dois moradores, celeste e terreno, de cada consciência. O pobre, o homem essencial, a “imagem”, reside, ignorado por muitos, no telhado de si mesmo, e o rico faz uso de todos os objetos da casa e os considera como seus pois pensa que ele é o único morador. Uns e outros, os filhos do homem (os pobres) e os filhos de adão (os ricos), são convocados juntamente pelo salmista.

  • Ouvi isto, vós todos os povos; inclinai os ouvidos, todos os habitantes do mundo, quer humildes quer grandes, tanto ricos como pobres. (Sl 49:1-2)