EVANGELHO DE TOMÉ — Logion 52=>LOGION 53<=Logion 54 Seus discípulos lhe disseram: a circuncisão é útil ou não? Ele lhes disse: se fosse útil, seu Pai os engendraria circuncisos de sua mãe. Mas a circuncisão verdadeira em espírito tem sido útil por inteiro. (Roberto Pla)
EVANGELHO DE JESUS:
*Mas é judeu aquele que o é interiormente, e circuncisão é a do coração, no espírito, e não na letra; cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus. (Rom 2:29)
*E recebeu o sinal da circuncisão, selo da justiça da fé que teve quando ainda não era circuncidado, para que fosse pai de todos os que creem, estando eles na incircuncisão, a fim de que a justiça lhes seja imputada, (Rom 4:11)
*Porque a circuncisão é, na verdade, proveitosa, se guardares a lei; mas se tu és transgressor da lei, a tua circuncisão tem-se tornado em incircuncisão. (Rom 2:25)
Hermenêutica
Roberto Pla
Há dois modos de circuncisão prescritos por Deus como selo da aliança: a circuncisão da carne (externa, manifesta) e a do coração (interior, oculta). Ambos os modos foram descritos pela Lei e pelos profetas, e incluso Jeremias falou dos incircuncisos de coração e de ouvido que não podem entender, e proporcionou com isto um elemento de valorização gnoseológica das formas de circuncisão.
*Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração, e não mais endureçais a vossa cerviz. (Deut 10:16)
*Também o Senhor teu Deus circuncidará o teu coração, e o coração de tua descendência, a fim de que ames ao Senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua alma, para que vivas. (Deut 30:6)
*Assim diz o Senhor Deus: Nenhum estrangeiro, incircunciso de coração e carne, de todos os estrangeiros que se acharem no meio dos filhos de Israel, entrará no meu santuário. (Ez 44:9)
*A quem falarei e testemunharei, para que ouçam? eis que os seus ouvidos estão incircuncisos, e eles não podem ouvir; eis que a palavra do Senhor se lhes tornou em opróbrio; nela não têm prazer. (Jr 6:10)
O logion é mais radical, pois a circuncisão na carne, como rito cultual, “não é útil” (gr. ophelei, opheleo = utilidade, ajuda, socorro, proveito, benefício, apoio), e somente é verdadeira a circuncisão em espírito. Em tudo isto coincide o apóstolo, o qual fala aos romanos da “verdadeira circuncisão segundo o espírito e não segundo a letra e raciocina que quando Abraão recebeu o sinal de circuncisão como selo (gr. sphragis), já havia mostrado “a justiça da fé que possuía sendo incircunciso” (na carne) (Rom 4,11). Daí que Paulo dissera que a circuncisão, em verdade, “é útil se cumpres a lei” (Rom 2,25).
*Onde “cumprir a Lei” deve ser entendido aqui segundo a proposta do Deuteronômio: “Circuncidai o prepúcio de de vosso coração” (Dt 10,16). Não cabe admitir dúvida de que nosso logion é sinóptico com a doutrina explicada por Paulo Apostolo na epístola aos romanos com respeito à circuncisão. A dificuldade consiste em decidir se Paulo conhecia o dito de Jesus, ou o Evangelho de Tomé repete ao apóstolo. De qualquer maneira, se trata de uma dilucidação a efetuar no “manifesto”. Desde o ponto de vista “oculto” tal dificuldade é irrelevante.
O que o logion denomina “a circuncisão verdadeira em espírito” é sem dúvida um lavado ou purificação dos conteúdos da alma, e o rito da circuncisão da carne o prefigura como selo da aliança ou união verdadeira que é dada pelo regime da fé. Este selo é o que torna possível a percepção da presença (parusia) do Filho do homem, e como consequência permite ao homem circunciso de “olhos e coração” alcançar o fim proposto pela lei divina: a justiça e a santidade.
Neste sentido de regime da fé no qual pode se dizer que a circuncisão é um sinal que tem no AT a mesma significação purificadora que possui o selo do batismo na Boa Nova. Ao rito cultual da fé, o segue o sacramento da fé, que permanece em mero rito também se, em ambos casos, ao braço estendido e espectante de Deus, não o sucede a justiça da fé, como porta da santidade.
Não deixa de anotar Lucas em seu evangelho a cerimônia de João e de Jesus ao cumprir-se os oito dias do pequenino, o qual se faz em ambos os casos em ato simultâneo ao da imposição do nome de significação divina dado pelo anjo (Lc 1,59; 2,21).
O Caminho de João, era “o da lâmpada que arde e ilumina” para dar testemunho da luz e o Caminho de Jesus — feito Caminho em si mesmo — começa quando a lâmpada não tem mais testemunho de si que suas obra, pois é a luz que arde sem pavio nem combustível, como corresponde ao “enviado” do Pai do qual “ninguém viu nunca seu rosto”. Mas ambos caminhos são um só, o Caminho do homem que o leva desde seus primeiros passos no mundo até a redenção final, quer dizer, até o cumprimento da aliança com o Pai.
Para a aliança final, a circuncisão verdadeira é útil, proveitosa, como é útil, proveitoso, o batismo verdadeiro em espírito. Quando ambas formas são externas e se reduzem a ser ritos cultuais, isentos de utilidade, proveito. O que importa e o que se explica em um sentido oculto em um caso e em outro, é a renovação, a vida nova que só é possível quando da plenitude de fé “em um coração purificado de consciência má” (Hb 10,22).