Evangelho de Tomé – Logion 52

Pla

Seus discípulos lhe disseram: vinte e quatro profetas falaram em Israel e todos falaram de ti. Ele lhes disse: Haveis esquecido àquele que está vivo em vossa presença e haveis falado dos que estão mortos.

Puech

Suarez

Meyer

Canônicos


Comentários

Roberto Pla

Acento sobre o Cristo oculto. Do Cristo está dito que “se fez carne e estabeleceu sua morada em nós”, e esta verdade que a doutrina eclesial afirma com justiça, não seria a verdade absoluta se a locução “em nós” não levasse em conta que revindica, como assim é, a presença universal do Cristo. Desde o primeiro Adão não é possível nenhum homem no qual o Cristo não seja o morador, enviado pelo Pai mas ignorado de muitos, quer dizer, oculto, embora ele é o Ser essencial eterno, a Vida imortal de cada um.

Este ensinamento (do Cristo oculto em nós) é a medula por onde corre toda a mensagem evangélica, e se poderia dizer que não há nele uma só passagem onde não se transluza a determinação clara de Jesus e dos evangelistas e consignar o testemunho permanente da presença do Cristo de Deus nas Escrituras. Assim, já nos primeiros passos de Jesus com seus discípulos conhecemos a notícia de Felipe a Natanael: “Encontramos àquele de quem escreveram Moisés na Lei e também os profetas” (Jo 1,45), e não é um fato casual que uma vez consumada sua obra, depois de sua ressurreição, aproveitara Jesus o caminhar dos discípulos que iam a Emaus para lhes explicar o que havia sobre ele em todas as Escrituras, não sem lamentar dos tardos de coração “para crer no que disseram os profetas” (Lc 24, 25-27). Como disse depois: “É necessário que se cumpra tudo o que está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos acerca de mim” (Lc 24,44).

Com um propósito de ser fiel a este cumprimento de universalidade expresso por Jesus se afanou a exegese eclesial, já desde os primeiros séculos cristãos, por descobrir e assinalar nos escritos testamentários as linhas de convergência de ambos testamentos quanto à referência messiânica, até o ponto de formular um gênero de interpretação tipológica segundo a qual algumas pessoas e acontecimentos vetero-testamentários prefiguram em sentido espiritual a revelação evangélica de Jesus, Filho de Deus.

Tudo isso é bem notório e não vai ser descoberto agora; mas é necessário recordar que tais estudos bíblicos se inscrevem na vertente manifesta de Cristo e portanto atendem em especial à predicação divina ou profética do ato messiânico nos acontecimentos sucedidos durante o período evangélico. Por isso ocorre que a interpretação tipológica da exegese eclesial parece atender unicamente à configuração messiânica quanto ao fato de que “pôs sua morada entre nós”, ou melhor, como pode entender-se, que se manifestou no mundo para proclamar a Boa Nova na ocasiões, lugares e circunstâncias de exceção que relatam os evangelhos segundo a leitura manifesta.

Tal interpretação é, sem dúvida, verdadeira, mas não inclui toda a verdade e resulta ainda mais de “tardeza de coração”, segundo as palavras de Jesus, pois nos diz tudo o que há sobre ele nas Escrituras. Com efeito, o testemunho de Cristo dado no AT não é somente temporal e tipológico, não vê unicamente a seu cumprimento no futuro a partir de uns modelos que os profetas vivem a seu modo e que se cumpriu em Jesus Cristo. Há muito mais nele, ainda que isso já é muito. O testemunho vetero-testamentário é uma realidade contada “literalmente” ainda que em sentido impróprio, não isenta de figurações alegóricas, por aqueles patriarcas e profetas que descobriram, em sua consciência altamente espiritualizada, o fato pasmoso de que o messias tinha “posto sua morada neles”; quer dizer, que em sua essência eles eram o messias, o Cristo, enquanto seu espírito era luz, filho da luz; e a luz, já sabemos, é o Filho, o manto de Deus.

Este é o testemunho das Escrituras que a Jesus o interessa que fique bem esclarecido para a posteridade e que agora, depois de tantos séculos, permanece ainda muito pouco estudado pelos seguidores de Cristo. No entanto, os evangelhos canônicos são testemunhos fiéis. Quando Jesus diz: “Vosso pai Abraão se regozijou pensando em ver meu Dia; o viu e se alegrou (Jo 8,56), os que olham segundo a vertente manifesta interpretam que Jesus menciona um fato profético, a saber, que Abraão “viu e se alegrou” em seu tempo daquilo que séculos mais tarde ia a significar o nascimento e passagem de Jesus nas terras de Jerusalém; mas Jesus fala aqui do Cristo eterno, morador e luz verdadeira que ilumina a todo homem que vem a este mundo, e daí sua resposta: “Antes que nascesse Abraão Eu Sou” (Jo 8,58). Abraão viu, com efeito, ao Salvador, ao Cristo (ungido) eterno, pois como ao justo Simeão do qual conta Lucas, o foi dado ver, antes de saborear a morte, “ao Cristo do Senhor” [Menino Jesus no Templo (Lc 2,21-52)]. Abraão viu o fruto espiritual de sua velhice nascido da promessa, de onde lhe veio sua alegria em seu Dia.

Naquele que descobre ao Cristo de Deus vivo em si mesmo, reconhece a verdade do testemunho das Escrituras segundo a qual Cristo foi instituído como morador celestial desde o sexto Dia para todos os homens de todos os tempos. Isto o descobriu Davi quando conheceu, segundo credita em seu Salmo, o decreto de YHWH: “Tu és meu filho; eu te engendrei hoje” (Sl 2,7). Este filho divino é o “fruto” de varão que a Davi o foi imputado pelos israelitas como promessa de Deus e por ele se abriu uma expectativa manifesta do Messias no tempo. Mas este filho de Davi não é distinto senão o mesmo que foi prometido a Abraão e a Moisés e que foi anunciado como instituição em todos os profetas. Sempre, e em todos os casos se trata de Emanuel, o Deus conosco, o qual é Jesus Cristo, e daí o motivo pelo qual o mestre reivindica para si não só enquanto Filho de Davi senão enquanto Senhor de tudo o que, movido pelo Espírito, o descobre em seu seio ([Disse o Senhor ao meu Senhor->breve10492]).

Mas para chegar a este magno sucesso é necessário começar por receber, ainda que seja na brevidade de um “relâmpago que sai do oriente e brilha até o ocidente” (Mt 24,27), quer dizer, na infinitude do espaço incondicionado, a primeira intuição ou vislumbre da vinda (da presença) do Filho do homem. Esta é a chama na qual ao final se incendeia a fé, Depois, já o sabemos: “O que se vê é o resultado do que não aparece” (Hb 11,3; ou o que é o mesmo: o visível nasce do invisível).