Evangelho de Tomé – Logion 50

Pla

Jesus disse: Se os dizem: de onde haveis vindo?, dizei-lhes: viemos da luz; ali onde a luz nasceu de si mesma, se elevou e se revelou em sua imagem. Se os dizem: quem sois?, dizei: somos seus filhos e somos elegidos do Pai o vivente. Se os perguntam: qual é o signo de vosso pai que está vós mesmos?, dizei-lhes: é um movimento e um repouso. [Mordomo Infiel]

Puech

Suarez

Meyer


Comentários

Roberto Pla

Diz o quarto evangelho que a Palavra existia no princípio: estava com Deus e era Deus. Também diz que a Palavra era a luz verdadeira; e desta luz verdadeira, que é a Palavra, é dito que é o manto de esplendor e majestade de que se veste Deus.

Bendize, ó minha alma, ao Senhor! Senhor, Deus meu, tu és magnificentíssimo! Estás vestido de honra e de majestade, tu que te cobres de luz como de um manto, que estendes os céus como uma cortina. (Sl 104:1-2)

A luz não foi feita — em sentido literal — senão dita, pronunciada, enquanto preexistente, posto que em Deus “estava” e “era” no princípio, e brilhou (se estendeu), nas trevas. Por isso diz Jesus, o Filho: “Eu sou a luz do mundo”, em identidade com o manto de glória que reveste ao pai e que é a luz do Pai, una com o Pai.

Quando o Filho se identifica no evangelho com a luz, se refere à luz verdadeira, nascida de si mesma, pronunciada, e não à luz de um sol criado cujo resplendor foi, depois, chamado “luz”, por ser, no mundo, uma imagem da luz verdadeira.

A luz verdadeira que em justiça reivindica Jesus, e que é o Filho, a Palavra, constitui o Reino do Pai, o Reino da luz, no qual é possível saciar conjuntamente a fome e a sede de bem-aventurança, de vida e de sabedoria, segundo se diz poeticamente no salmo: “Na torrente de tuas delícias os embebe; em ti está a fonte da vida e em tua luz vemos a luz” (Sl 36, 9-10).

Confirma o logion que o homem pneumático é um nascido da luz, “dali onde a luz nasceu de si mesma”. É, por conseguinte, luz que se reconhece na luz, não são a luz, senão “os filhos da luz”. A isto se refere também o apóstolo quando diz: “Todos vós sois filhos da luz”.

A filiação da luz que alcança o homem pneumático, consiste em três filiações da mesma ordem que aquelas em que a luz verdadeira do Reino do Pai se constitui como essência conjunta e inseparável no Filho: a torrente eterna de bem-aventurança, a fonte inesgotável de vida e a contemplação da sabedoria da luz, graças à luz que faz possível tal contemplação. Mas ao ser luz que se reconhece na luz, o homem pneumático é imagem fiel do Filho, qual gotas ou centelhas da luz verdadeira que é o Filho.

Mas ocorre que o que a consciência do homem conhece de si mesmo, não é o homem vindo da luz, senão o homem terreno — o Adão psíquico — revelado como imagem e sombra do celestial, ainda que designado e chamado de antemão a reproduzir “a imagem do Filho”. São pois, duas as imagens: uma a imagem do Filho, quer dizer, a de luz que contempla a luz, e outra, a revelada na terra como sombra e imagem dessa imagem celestial. A essas duas imagens se referia o apóstolo quando em um contexto diferente dizia que assim “como revestimos a imagem do homem terreno, revestiremos também a imagem do homem celestial” (1Cor 15,49).

É certo que a realidade integral do homem, enquanto realização ou cumprimento do plano de Deus, é a do eleito, assim denominado por dar-se nele unidos, “feitos um”, os dois moradores da mesma casa, quer dizer, a imagem do Filho, vinda da luz e o “resto”, purificada como a prata, de sua imagem ou sombra psíquico-hílica, por meio da qual se revela a luz no mundo visível terrestre. Estes são os eleitos do Pai o Vivente.

Quanto ao “signo” do Pai que o logion diz: “está em vós”, o diz porque é correlativo ao cumprimento da promessa de Jesus: “Se alguém me ama, guardará minha Palavra, e meu Pai o amará e faremos morada nele”. Se o Pai feito sua morada no eleito, também habita no eleito o signo de duplo rosto do Pai: é “movimento”, posto que é a Vida eterna que vem do Pai; uma Vida que não cessa e que como uma torrente sustém o mundo criado e vivificado por Ele; e é “repouso”, posto que imóvel e imutável permanece o Pai em si mesmo, e com o movimento que Ele é, é possível encontrar-lhe no descanso sabático que desde o princípio tem reservado pelo povo “eleito de Deus”.

Movimento e repouso são um só signo no seio do Pai, uma só e mesma coisa; e isto se entende quando Jesus disse: “Vinde a mim e achareis descanso para vossas almas” (Mt 11,28-29).