Evangelho de Tomé – Logion 4

Pla

Jesus disse, o homem maduro não deixará de questionar uma criança de sete dias sobre seu lugar na vida e viverá. Ele saberá que muitos dos primeiros serão os últimos e que esses serão unificados.

Leloup

Jesus disse: O homem maduro não deixará de interrogar durante seus dias a uma criança de sete dias a respeito de seu lugar na vida e ele viverá. Saberá que muitos dos primeiros serão últimos e que estes serão unificados.

Jesus disse: O velho não hesitará em interrogar uma criança de sete dias a respeito do Lugar da Vida, e viverá. Muitos dos primeiros se farão últimos e eles serão Um.

Canônicos


Comentários

Roberto Pla

Dedicação ao Cristo interior

Nascimento desta consciência crística e sua infância, seus primeiros passos.

A revelação deste grande mistério na resposta à consulta de Nicodemos a Jesus (v. Nascer do Alto). Nicodemos, é dito, e não arbitrariamente que aproxima-se de Jesus de noite, o que significa necessitado, “vazio” de conhecimento. Ao final das contas esta expressão figurada, usada repetidas vezes pelos escritores testamentários, foi autorizada pelo primeiro autor do Gênesis: « E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas. E Deus chamou à luz Dia; e às trevas chamou Noite. E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro. » — Gen 1:4-5.

Jesus abre sua grande lição mistérica com a afirmação de que é possível — não em sentido figurado, mas natural — experimentar um segundo nascimento, ou “regeneração” interior, nascimento «do alto», único sucesso que fará possível contemplar (ver) e integrar-se (entrar) no Reino de Deus. O que diz Jesus é que o Reino de Deus está dentro de nós e que sua revelação à consciência pura é possível. Para que tal coisa ocorra, é necessário passar antes por duas sérias e às vezes prolongadas experiências: primeiro, pela purificação que vem dispensada pela persistente imersão ou banho batismal, quer dizer, pela prática de conversão (ou metanoia), nas águas revoltas das tendências psíquicas e depois — quando tais águas começam a nos liberar da noite escura da alma — graças à chuva sustentada das línguas de fogo “derramadas pelo Espírito Santo em função de Paracleto, o qual transmite em forma de conhecimento de Deus, a sabedoria do Filho do Homem, o Cristo interior. Por isso diz Jesus que há que nascer “de água e de Espírito”.

A resposta popular ante a explicação deste mistério é aquela dos que não creem na Boa Nova, e falam como Nicodemo: “Pode por acaso entrar outra vez no seio de sua mãe e nascer?” Mas Jesus não fala dos “nascidos de mulher”, mas do nascido do Espírito.

Não há dúvida que este revelação era conhecida e ensinada em Israel, pois do contrário não teria sentido o questionamento de Jesus: “Tu é mestre em Israel e não sabes isto?”

E Jesus disse-lhes: Em verdade vos digo que vós, que me seguistes, quando, na regeneração, o Filho do homem se assentar no trono da sua glória, também vos assentareis sobre doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel. (Mt 19:28)

Com a locução “homem de anos” seguramente o logion só quer se referir a um homem adulto, especialmente a quem amadureceu em seu desenvolvimento espiritual e está pronto, por sua transparência de coração, a “respirar” as primeiras intuições do Ser e com elas a receber a consciência do Cristo Vivente. Será necessário crescer a fé no Cristo interior, para estabilizar o nascimento do alto, pois “O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito” (Jo 3,6), quer dizer, assim será possível em cada um o cumprimento da grande Promessa para esta geração que foi expressa com respeito a Davi: “O SENHOR jurou com verdade a Davi, e não se apartará dela: Do fruto do teu ventre porei sobre o teu trono” (Salmo 132,11).

Vide Reino dos Pequeninos

A referência ao pequenino de sete dias (sete vezes luz do espírito), responde a uma dessas formas figurativas usadas tradicionalmente pelo povo judeu para velar na penumbra poética o mistério, certas significações reais sob um peculiar traçado de números. Os números 12 e 7 são especiais neste sentido: doze = Conhecimento perfeito (epignosis) e sete = conhecimento imperfeito: Mt 13:11; Criação da instituição dos sete diáconos: Atos 6:5-7; Mc 8:14-21.

O conhecimento transmitido pelo nascido do alto, hóspede espiritual do homem maduro, só alcança o nível imperfeito do discípulo de “sete dias”. Não obstante, este homem que interroga sobre o verdadeiro “lugar” na vida, poderá alcançar segundo este processo, a Vida eterna própria do Cristo interior. Assim é com os últimos a chegar (v. Últimos Primeiros), os nascidos do alto (v. Nascer do Alto), os cordeiros do sacrifício, ignorados por todos até que a consciência se desperta e os revela, serão os primeiros a chegar ao Reino de Deus, pois como está dito: Sal 118:22

Gillabert

O objetivo anunciado [Logion 1]

O percurso esboçado [Logion 2]

Percurso situado e precisado [Logion 3]

Agora, no Logion 4, Jesus indica o espírito que deve animar nesta busca: deve-se esquecer ter, saber, poder; deve-se ser como todo pequenino sem passado, sem projeto, sem personalidade a fim de reunir a Vida à fonte da manifestação, aí onde estava, onde sou Um.

Retorno ao estado de antes dos condicionamentos: o pequenino de sete dias; injunção de várias logia: Logion 18; Logion 19; Logion 21

Leloup

O verdadeiro conhecimento não é acumulação de saberes mas frescor do olhar — inocência do coração.

A criança está mais próxima do Lugar da Vida, ainda não está toda na dualidade, nem verdadeiramente separada de sua mãe e do mundo; assim pode-se interrogá-la sobra a origem — o princípio.

A criança de sete dias simboliza o iniciado — aquele sobre o qual repousam os setes dons do Espírito, que nele realizou a união dos contrários — que tem juntos o princípio e o fim. Simboliza igualmente o retorno ao estado de não-condicionamento — pois, é na idade de oito dias que se é circunciso, recebendo o signo de pertencimento a uma religião e a uma sociedade.

Qualquer que seja nossa idade, nossa velhice, o peso de nossas memórias, o Evangelho nos convida a nos lembrar deste Pequenino que está em nós — Criança Divina, incondicionada — : deixá-la viver, para que possa lançar sobre o mundo o olhar fresco e alegre da Fonte.

«Se fazer o último», faz lembrar Lao Tze que aconselha ao homem a arte de ser inútil, «sem uso», não pretendendo saber, simplesmente observando, sendo testemunha tranquila do que é.

Puech

Exploração de um tema bem conhecido: puer-senex, a criança com aparência de velho (ou inversamente), do personagem maravilhoso que é ao mesmo tempo jovem e velho, ou, como o aion, ao mesmo tempo mais jovem e mais velho que ele mesmo sem ser em si nem um nem outro.

O acesso ao Reino, a restituição ao “Lugar da Vida”, se opera por um retorno do “último” ao “primeiro”, de um estado ulterior a um estado anterior, de um fim a um começo, realizando na confusão de um e de outro em um só e mesmo todo onde juventude e velhice são abolidas e absorvidas no seio de uma realidade única que é a Vida, a Vida eterna, autêntica.

VIDE Logion 22