Evangelho de Tomé – Logion 34

EVANGELHO DE TOMÉLogion 33=>LOGION 34<=Logion 35 Jesus disse: se um cego conduz a outro cego, caem os dois em uma fossa. (Roberto Pla)


EVANGELHO DE JESUS: DOIS CEGOS; O MAL DE DENTRO)


Hermenêutica
Roberto Pla
A luz é no evangelho o Cristo «manifesto» e também o «oculto» ou interior. Jesus, o Cristo, o disse muito claramente: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8:12). Ao contrário, daquele que não segue ou não reconhece ao Cristo se diz que caminha na obscuridade, porque não tem luz e, em consequência, é denominado “cego”.

Estas correntes expressivas vêm da significação superior da luz e não de uma forma metafórica da linguagem, porque quando no Gênesis se diz “faça-se a luz”, ninguém pode interpretar disto a luz de um astro solar ainda não criado, senão a Palavra que estava com Deus no princípio e na qual estava a vida que era a luz dos homens.

Por essas razões são cegos evangélicos todos os que por distintas causas, que podem indicar-se como carência de no Filho do homem enquanto este é a essência de si mesmo, se acham privados da sanadora ação interior da luz verdadeira.

Jesus qualifica de “cegos” aos fariseus que se escandalizavam ao ouvir sua doutrina na qual criticava seus condicionamentos, fundados em tradições mal entendidas e com as quais obstaculizavam a ação esclarecedora da Palavra. Tais condicionamentos arraigam muito fortemente na consciência por falta de discriminação. O que diz Jesus é que não são uma “planta plantada por seu Pai celestial” — como se dissesse que não constituem o ser real e puro de cada um — e por isso os assegura que essa planta, a cizânia que não deixa ver o grão, seria “arrancada pela raiz” (Cizânia).

Esta é a causa — agora pode ser facilmente estudada — pela qual o cego de Betsaida, necessitou duas curas (veja também o Evangelho de ToméLogion 19).

Esta mesma cura dupla é a que teve que experimentar Saulo quando perseguia ao Senhor e no caminho de Damasco o rodeou de repente uma luz vinda do céu. Primeiro, ficou cego, pois ainda «tinha os olhos abertos, não via nada», e depois, foi curado da cegueira quando Ananias, “enviado” pelo Senhor, o impunha as mãos e «no mesmo instante caíram de seus olhos como umas escamas e recuperou a visão».

Por outro lado, uma única cura, a do Espírito, necessitaram aqueles dois cegos que menciona Mateus e que, segundo diz, seguiram a Jesus ao passar este, gritando: “Tende piedade de nós, Filho de Davi!” (Kyrie Eleison).

Igual significação tem a cura de um cego de nascimento que relata extensamente e com riqueza de perfis simbólicos muito particulares, o Evangelho de João. O “toque” direto, o contato com a Palavra, que os sinópticos mencionam em qualquer das curas de cegueira que explicam, é aqui substituído pelo barro formado pela saliva de Jesus untada com o do solo. A significação desta unção com o barro não é demasiadamente difícil de entender, porque o próprio Jesus ajuda a esclarecê-la quando explica a cura que vai efetuar. Enquanto palavra, Cristo é o “enviado” no mundo, em cada homem, e como “enviado” pode dizer: “Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo” (Jo 9, 4-5). Com isto é como se dissesse que a difusão da luz, sua força expansiva, é um ato idêntico à segregação de saliva que se produz pela emissão da Palavra; ambos casos se traduzem na primeira percepção de salvação espiritual. Quanto à saliva, sua ação só é possível para o homem cego se se subministra misturada com o do solo, por ser “no mundo” onde tal obra se realiza naquele cego.

O barro feito por Jesus, não pelo pecado de ninguém, senão para que naquele homem se “manifestem as obras de Deus” (Jo 9,3) até então “oculto”, resulta ser para o cego, segundo isso, a primícia da luz do mundo, o despertar interior que propicia a primeira intuição do Ser verdadeiro. Mas, segundo se disse, isto não é mais que a primeira parte da cura, aquela pela qual “os que veem se tornam cegos”.

Para chegar ao cumprimento do segundo juízo proclamado no evangelho, “que os que não veem, vejam” (Jo 9,19), o diz Jesus ao cego: Vai, lava-te na piscina de Siloé (Números 9,17). Este é o banho da alma nas águas puras do Enviado (heb. Siloé), do messias, e o cego que em suas águas se submerge (águas puras = alma purificada), começa a receber a luz, o fogo do Espírito até alcançar a saúde perfeita (v. Nascido Cego).

Aqui é onde adverte o evangelho que o o homem que efetuou tal imersão curativa, não poderá responder nunca, não obstante, à pergunta terrena: “Onde está esse? Onde está o Enviado? Siloé é espírito puro, sem forma, e é inútil buscá-lo de maneira representativa. Jesus o disse e deve-se repetir para que tenham presentes todos os que buscam a Deus em seu coração:
*O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito. (Jo 3:8; vide Nascer do Alto)

No entanto, para os olhos recém-abertos é chegada sempre a hora gozosa de entender e realizar plenamente a exclamação de de Jesus: É necessário que creiais que Eu Sou (Jo 13, 19). Com a vida do Espírito ocorre que todo cego que abre os olhos à luz, ama a luz e tem a luz; igualmente todo o cego que recebe a segregação da Palavra, do Enviado, e se submerge nela, ama a Palavra e tem a Palavra, segundo está dito:
*Jesus respondeu, e disse-lhe: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada. (Jo 14:23)

Por isso no relato joanico, o novo vidente que não sabe onde está o Enviado, sabe muito bem, por outro lado, dizer, tal como Jesus o pede: Eu Sou. E isto o diz cheio de gozo e também de certeza, porque nesse seu Ser que confessa, vieram morar com ele, a Palavra e o Pai.

Em verdade um cego evangélico que rompe a ver, é sempre um nascido do Espírito, alguém que já está limpo e que por distinguir desde então a palha do grão, sabe muito bem que ao dizer Eu Sou, alude ao grão desnudo e despreza a palha. Nisso se diferencia dos cegos que dizem: “Vemos”; estes são cegos absolutos, que como diz Jesus: “permanecem em sua cegueira”.
*O texto diz: pecado, o qual entendido em sua acepção de falta, ou estado carencial de justiça, significa, neste caso, “cegueira” (vide Cegueira e Surdez).