Evangelho de Tomé – Logion 28

EVANGELHO DE TOMÉLogion 27=>LOGION 28<=Logion 29 Jesus disse: me mantive no meio do mundo e me revelei na carne. Encontrei-os todos ébrios, sem que nenhum deles tivesse sede; e minha alma sofre pelos filhos dos homens porque estão cegos em seu coração sem ver que vieram ao mundo vazios e, estando vazios buscam sair do mundo, mas agora estão ébrios. Quando tenham expulsado seu vinho se converterão (Roberto Pla).


EVANGELHO DE JESUS:
*E, sem dúvida alguma, grande é o mistério da piedade: Aquele que se manifestou em carne, foi justificado em espírito, visto dos anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, e recebido acima na glória. (1Tim 3,16)
*Porque os que dormem, dormem de noite, e os que se embriagam, embriagam-se de noite; (1Tess 5,7)


Hermenêutica
Roberto Pla
O texto do logion começa por conjugar as duas vertentes oculta e manifesta do Cristo Jesus. Como Filho do homem oculto se manteve Cristo e se manterá para sempre porque é eterno e não há de passar, em meio do mundo, na realidade inabalável de ser, com respeito a todo homem, a essência desconhecida, o si mesmo verdadeiro e puro de cada um; mas como Filho do homem manifesto, se revelou Jesus Cristo na carne para ensinar assim a todos seu evangelho.

A embriaguez que aqui se menciona tem na Escritura duas acepções, positiva e negativa. No primeiro caso aparece como uma manifestação de alegria ou plenitude espiritual, mas neste logion deve ser interpretada em seu sentido negativo, como incapacidade para permanecer em vigília, alerta, na espera do Dia do Senhor. Este estado de “imprudência” quanto à vida religiosa se reputa como ausência de sobriedade.

As duas acepções da expressão “ébrios”, “positiva e negativa”, se relacionam com as imagens do vinho e também do sangue, com vários exemplos na Escritura. Da forma positiva da expressão espiritual da embriaguez o exemplo mais ilustre por sua antiguidade e transcendência é o que se relata de Noé.
*E começou Noé a ser lavrador da terra, e plantou uma vinha. E bebeu do vinho, e embebedou-se; e descobriu-se no meio de sua tenda. (Gen 9:20-21)

Não é nada difícil relacionar a vinha de Noé, o pai da raça humana pós-diluviana, com essa vinha — que não é outra senão a mesma — da que fala Jesus no evangelho de João: “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o lavrador” (Jo 15:1).
( … )
Por seu patrimônio oculto de ser a videira verdadeira, embora isto tenha sido proclamado “manifestamente” no quarto evangelho, corresponde a Jesus unicamente a obra salvífica de converter a água em vinho e isso é o que sob a roupagem de um relato familiar conta João em seu evangelho quando explica o sucedido durante a celebração das bodas de Caná (vide Bodas).

Convém observar que o evangelista situa este relato durante a semana inaugural do ministério de Jesus, semana que segundo o testemunho de João e a convocatória dos primeiros discípulos, reúne três episódios que são correlativos no desenvolvimento espiritual segundo o processo da Boa Nova: as bodas de Caná, a purificação do templo e a entrevista com Nicodemo. Estes três episódios se enfocam desde uma perspectiva bem diferente da usada pelos sinópticos mas confluem com estes a uma proclamação idêntica do Reino dos Céus.
( … )
Mas dissemos que a embriaguez que menciona Jesus neste logion leva signo negativo. São Paulo explica muito bem esta ambivalência da ebriedade segundo a linguagem testamentária.
*E não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do Espírito; (Ef 5:18)

Jesus chama ébrios segundo se infere do logion, aos que sem beber o sangue ou o vinho novo, sem provar o fruto da videira verdadeira, aparecem “como influídos de espírito de vertigem” (Is 19,14), dão voltas e vacilam como ébrios (Sl 107, 26-27). Os ébrios desta espécie, não têm sede de justiça, nem sentem inquietude alguma por converter-se à vida eterna do homem pneumático para merecer ser contados no livro dos justos; estes são os que não têm sede de “sangue até a embriaguez” (positiva; Ez 39,19), própria de quem alcança a plenitude do espírito.

O logion recorda a estes homens cegos em seu coração, que vivem “segundo a vacuidade de sua mente”, os quais não devem pretender sair deste mundo estando vazios porque “a embriaguez e as preocupações fazem os corações pesados”, e em tais condições a chegada daquele Dia será de improviso.
*E digo isto, e testifico no Senhor, para que não andeis mais como andam também os outros gentios, na vaidade (vazio = kenodoxia) da sua mente. (Ef 4:17)
*E olhai por vós, não aconteça que os vossos corações se carreguem de glutonaria, de embriaguez, e dos cuidados da vida, e venha sobre vós de improviso aquele dia. Porque virá como um laço sobre todos os que habitam na face de toda a terra. (Lc 21:34-35)

Por isso, a Boa Nova, sua mensagem, convida a expulsar o vinho da vacuidade para depois “ser sóbrios e vigiar”.
*Sede sóbrios (nepsis = sobriedade); vigiai; porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar; (1Pe 5:8)

Então os conteúdos de água se converterão em vinho novo, pois este é o signo do batismo do Espírito. Paulo Apostolo não cessa de aconselhar essa atitude de alerta, de descobrimento verdadeiro do sentido de cada gota de água, de cada conteúdo psíquico para purificá-lo e convertê-lo em espírito, pois esta é a significação real da metanoia.
*Não durmamos, pois, como os demais, mas vigiemos, e sejamos sóbrios (nepsis); (1Th 5:6)



Jean-Yves Leloup
*O tema do “homem ébrio” na gnose se opõe àquele do “homem de luz”.
*Ser ébrio é ter o espírito e o coração espessos, embriagados pelas aparências.
*Nada a ver com “sóbria embriaguez” de que fala Gregório de Nissa, que é um êxtase de paz na Presença do Ser.
*O homem ébrio é aquele cuja vista está perturbada e mesmo cega por suas pseudo-certezas; pensa “ter” a verdade, quando se trata de “ser” a verdade, de ser verdadeiro.
*O Evangelho da Verdade (22, 13-19) adita:
**”Aquele que possui a gnose, sabe de onde ele vem e onde ele vai. Sabe como alguém que estando embriagado se converteu de seu estado de embriaguez, realizou um retorno sobre si mesmo e restabeleceu o que lhe é próprio”.



Emile Gillabert
*Sofrimento de Jesus por encontrá-los todos ébrios; o homem psíquico nele expressa sua dor, posto que o mal no mundo revolta o psíquico.
**É preciso buscar o estado anterior ao nascimento, o estado antes dos condicionamentos
*Para rejeitar o vinho e mudar de mentalidade é necessário se interrogar sobre sua verdadeira identidade.
*Evangelho de ToméLogion 23
*Evangelho de ToméLogion 24
*Evangelho de ToméLogion 39



Henri-Charles Puech
*O estado de “pobreza”, de despojamento, de insuficiência, solidário da “agnosia”, da ausência, da privação do conhecimento de si, é caracterizado pela “vacuidade”.
**Repete-se com frequência que os homens que são “cegos no coração”, que vivem aqui em baixo na cegueira espiritual, na “ignorância” e suas trevas, são “vazios” (ensoueit), buscam “sair do mundo” (quer dizer que estão ainda na demanda do conhecimento e da via da salvação), “estando vazios”.
**Vazios de conhecimento existem e tateiam no vazio; são, por assim dizer, vazios deles mesmo, de sua substância, de todo bem pessoal ou de toda propriedade verdadeira. O que podem ter aparece como coisa vã, “pouca coisa”, um nada.
*A “vacuidade” caracteriza o estado — assimilável à “cegueira” e a uma espécie de “embriaguez” — onde é posto o homem pelo fato de sua geração e de sua vinda ao mundo e onde, no “vazio”, “esvaziado” de toda consciência de si, de toda lembrança de sua origem verdadeira e de sua natureza espiritual, ele se debate, buscando em vão, por não possuir o “conhecimento” que lhe forneceria a chave de sua situação presente e o meio dela se evadir, para se liberar da servidão carnal e “sair do mundo”.