EVANGELHO DE TOMÉ — Logion 19 <= LOGION 20 => Logion 21
Os discípulos disseram a Jesus: Diga-nos a que é semelhante o reino dos céus. Ele lhes disse: é semelhante a um grão de mostarda, a menor de todas as sementes; mas quando cai sobre a terra cultivada, produz uma grande árvore e se converte em abrigo para os pássaros do céu. Roberto Pla
EVANGELHO DE JESUS: PARÁBOLA DA SEMENTE DE MOSTARDA
Hermenêutica
Roberto Pla
Com a parábola do grão de mostarda pleiteia o evangelho uma breve imagem comparativa para ajudar a discriminar o mais fielmente possível algumas particularidade concretas do reino de Deus (Mateus sendo o único que, como o logion, emprega a denominação “reino dos céus”); mas por causa de sua simplicidade expositiva, ocorre com esta parábola o mesmo que com muitas outras perícopes testamentárias: que poucos estimam necessário submeter a nova revisão um juízo aceito de antemão por influxo de uma tradição milenar. No entanto, a experiência demonstra que nos relatos evangélicos não há um só logion fácil de interpretar em sua última e profunda verdade, até o ponto que se pode dizer que quem opina que os textos evangélicos são simples de entender, é porque é tão profunda sua ignorância deles que nem sequer sabe que não os entende.
O número de figuras de linguagem e de matizes sutis de que dispõem os “escribas” do evangelho parece, na verdade, inesgotável, razão pela qual se aconselha a persistência em uma incansável solicitude analítica se é que se quer sair de uma interpretação incompleta ou, às vezes, errônea.
Fiel a sua proposição comparativa, confirma muito claramente a parábola a semelhança e fecundidade de crescimento do grão de mostarda e da semente do reino de Deus no homem, quando ambos caem em terra cultivada; mas a força expressiva das imagens suscitadas pelo relato, desde a simples semente até as grandes ramas povoadas de aves, absorve a atenção tão intensamente que ao final, o que escuta se esquece de que a descrição proposta não era a da peculiar árvore da mostarda e sua representação mundana, senão a do reino de Deus.
Para salvar esta desviação habitual seguiremos sistematicamente os três pontos em que se decompõe a parábola com rigor estritamente comparativo, usando P, para parábola e R, para reino.
1P: O grão de mostarda é a menor de todas as sementes
1R: O homem pneumático, nascido do céu, é um desconhecido para a consciência do primeiro homem, o Adão, alma vivente, que explica Paulo (1Co 15, 45-49). A semente é comparada ao homem espiritual, eterno, o qual é como recordou Jesus, “a pedra que os construtores desprezaram” (Maus Lavradores).
2P: Quando cai na terra cultivada (esta semente) produz uma grande rama.
2R: O cultivo da semente consiste em crer no Filho do homem, enquanto semente verdadeira semeada em nosso interior. A imagem do homem terrestre que levamos, deve converter-se em imagem do homem celeste. Ao final, a pedra desprezada se descobre como pedra angular. (v. Pedra)
3P: Se converte a árvore em abrigo (ninho) para os pássaros do céu.
3R: Esta é a proposição que ainda não foi respondida desde sua posição verdadeira de pássaros do reino de Deus, senão que sempre se tentou a resposta desde os pássaros do céu terrestre.
Esta habitação de toda classe de pássaros que segundo a parábola morarão à sombra da rama da árvore, foi interpretada tradicionalmente, segundo os fundamentos proféticos de Ezequiel e Daniel em seu sentido de restauração da vertente manifesta da era messiânica inaugurada por Jesus.
*No monte alto de Israel o plantarei; e produzirá ramos, e dará fruto, e se fará um cedro excelente. Habitarão debaixo dele aves de toda a sorte; à sombra dos seus ramos habitarão. (Ez 17:23)
*Beltessazar, chefe dos magos, porquanto eu sei que há em ti o espírito dos deuses santos, e nenhum mistério te é difícil, dize-me as visões do meu sonho que tive e a sua interpretação. (Dn 4:9)
Isso supõe interpretar que todos os povos pagãos e gentios convertidos e agrupados com seus descendentes sob o impulso da Boa Nova, aparecem figurados nos “pássaros do céu”.
Ninguém teria que objetar a esta interpretação se não fosse porque com ela a mente exegética ficasse presa na árvore explicando-a e sua rama, quando o que Jesus pretende com sua parábola não é explicar a árvore e seus acontecimentos terrenos históricos, senão iluminar a percepção e o entendimento do reino de Deus por meio da imagem da árvore.
Na verdade, os pássaros do reino do céu não são os pássaros do céu; nem sequer são do céu “que não passa” os “adãos de alma vivente” só superficialmente agrupados, senão unicamente os “adãos de espírito que dá vida”, o homem segundo, nascido do céu, reunidos como pássaros celestes verdadeiros em um único “ninho”, quer dizer, feitos “perfeitamente Um” (Jo 17,23) na grande rama do reino de Deus.