Pla
Estes são os ditos secretos que o Jesus o Vivente proferiu e que Dídimo Judas Tomé registrou: (1) E ele disse: “Quem descobrir o significado destes ditos não provará morte.”
Leloup
Eis as palavras do Secreto — Jesus, o Vivente, as revelou — Dídimo Judas Tomé as transcreveu. (1) Ele disse: Aquele que se fará hermenêuta destas palavras não saboreará mais a morte.
Robinson
Estes são os ditos secretos que Jesus o vivente disse e que Dídimo Judas Tomé escreveu. (1) E ele disse, “Aquele que descobrir a interpretação destes ditos não experimentará a morte.
Gillabert
Eis as palavras escondidas que Jesus o Vivente disse e que transcreve Dídimo Judas Tomé. (1) E ele disse: Aquele que descobrirá a interpretação destas palavras não saboreará a morte.
Canônicos
Comentários
Roberto Pla
Ao dizer de Jesus o vivente indica o recompilador anônimo que estas palavras foram ditas por Jesus psíquico com sua consciência superior, transbordada a consciência habitual que se expressa através do Santuário do corpo. Há que supor que as palavras ditas não foram palavras da linguagem humana, mas ideias indivisíveis, não fracionadas. Essas palavras necessitam ser interpretadas em parábolas e não simplesmente escritas; daí a importância do « registro » destas palavras segundo cada discípulo; neste caso segundo Tomé.
O “oculto” das palavras soa paradoxal: como se é dito em palavras pode ser oculto? Porque seu sentido profundo se refere ao mistério de Deus, o Cristo-vivo, em quem “se acham ocultos todos os tesouros do Conhecimento” (Col 2,3). Por isso se diz que são ocultas as palavras que Dele falam. A ocultação primária vem de nossa consciência, recoberta como está de “obras mortas” (Heb, 10,20), isto é, de condicionamentos, de temporalidade, de interpretações errôneas, de ignorância, que impedem a reta e livre contemplação do Vivente de que cada um de nós foi constituído em seu Templo e em quem vivemos e somos, pois ele é a Vida em si mesma, segundo está dito: “Habitarei entre eles e no meio deles andarei” (Ez 37,27). A segunda ocultação vem dada pelas dificuldades próprias do caminho de interiorização que há que empreender para o descobrimento do mistério de Deus, quer dizer, para a realização ou ressurreição na consciência da Luz e da Vida que em essência somos, e poder ser a partir de então chamados filhos de Deus Vivente (Rom 9,26), como centelhas do mesmo lugar.
VIDE Descendência de Davi
A essência da mensagem cristã encontra-se neste primeiro logion: “aquele que encontre a interpretação destas palavras não saboreará a morte”. O processo de interpretação é ao mesmo tempo uma transferência ou mutação da consciência mediante a qual esta se renova gradualmente até alcançar o Conhecimento perfeito, ou epignosis (a qual se referem as expressões de Paulo Apóstolo de despojar-se do homem velho e revestir-se do novo). Assim as aderências com as quais a consciência se acha identificada, denominadas “tendências da carne”, que mantêm a consciência pura desconhecedora de si mesma, são como um homem velho com suas obras, constituída que é por tudo que no homem é mortal e passageiro. Ao despojar-se destes revestimentos, o que fica desnudo ante a consciência pura é o Espírito, essência do homem novo, isto é, do homem que passou mediante este processo da morte à vida, já que o Espírito, ao qual o homem novo conhece, posto que é ele mesmo, tem ou “é”, Vida eterna.
Embora de conhecimento geral, ou pelo menos de suspeita geral, o que foi exposto ganha uma relevância ímpar pelo logion, ao afirmar que há uma interpretação, uma ciência do conhecimento (gnosis), que uma vez encontrada conduz a efetiva realização dessa mutação (Paulo Apostolo fala de “dom de interpretar” em 1Cor 12, 10ss) da consciência que equivale a passar da morte à vida e ser, desde então, “como mortos retornados à Vida” (1Jo 3, 14).
Esta não é a via manifesta mas a oculta, pois tem como objetivo a realização — a manifestação — do Cristo Vivente que mora na Câmara interior e secreta de cada um, oculto por conta de nossa ignorância e do que Paulo Apóstolo afirma: “Mas se Cristo está em nós…” (Rm 8,10).
Cristo habita em nós sempre, e isto de habitar há que entender em um sentido muito literal, pois Ele ou o que sua denominação significa realmente, é nossa essência pura e indeclinável, da qual só nos separa a espessura de nossa ignorância que estende seu véu.
“Encontrar a interpretação” é, no sentido do logion, o mesmo que abrir na mente pacificada e questionadora, interstícios de silêncio que permitem a percepção da Luz do Vivente. Ao princípio esta Luz chegará muito atenuada à consciência, mas pouco a pouco esse pão preparado para que o homem “coma e não morra” (Jo 6,50), e amassado trabalhosamente como nossa incansável busca da eternidade pressentida, se revelará como o único alimento que pode nos abrir o Conhecimento perfeito e com ele a intelecção clarificadora das centelhas da Luz verdadeira.
O primeiro passo que sobrevém como resultado desta interiorização purgativa até o conhecimento (gnosis), consiste em que advenha uma insuspeitada capacidade para a intuição espontânea da essência pura que habita em nós e que não é outra coisa mais que o substrato sobre o qual o entendimento ativo e transitório se levanta. Tal intuição do Ser é uma percepção sem paralelo possível na esfera intelectual e sensível de cada um, e se mostra em seguida, em seu mesmo ato intelectivo, como certeza da essência própria. Esta certa ou intuição do Ser é o que na linguagem de Jesus se indica como a fé em que o Cristo universal e Vivente, imanente e transcendente ao mesmo tempo, é a essência única que somos. A Vida eterna e a vida limitada e mortal, são os dois polos sobre os quais oscila este reconhecimento. Por isso diz Jesus Cristo: “O Que crê em mim ainda que morra viverá” (Jo 11, 25). E também diz o oposto: “Se não credes que Eu sou, morrereis” (Jo 8,24).
É neste sentido de identificação com todas as “aderências” mortais, ou pelo contrário, de permanência eterna e independente como consciência pura em Cristo vivente, por onde gira o pensamento neotestamentário, o qual traça uma linha meridiana que separa e diferencia as duas esferas de crer ou não crer, de ter percebido ou não a intuição do Ser, do si-mesmo. Segundo se diz: quando é chegada a hora, os mortos (viventes) ouvem a voz do filho de Deus (Jo 5,25), para ser retornados como mortos à vida (Rm 6,13).
Em verdade só os que guardam a Palavra (o Verbo), primeiro a esperam e logo a intuem, a buscam, a amam, a percebem e, ao final, a encontram e a guardam. Como é a Luz do Conhecimento que vem do Filho, “não saborearão a morte jamais” (Jo 8, 52). Eles têm Vida eterna e não incorrem em juízo, senão que “passaram da morte à Vida” (Jo 5,24). Já não vão morrer, porque são iguais aos anjos; são filhos de Deus e portanto, “filhos da ressurreição” (Lc 20,30).
A confirmação neotestamentária é conclusiva: “Entre os aqui presentes há alguns que não saborearão a morte até que vejam vir com poder o Reino de Deus” (Mc 9,1; Lc 9,27). Destes o Evangelho de Tomé vai falar.