Evangelho de Tomé – Logion 53

Pla

Seus discípulos lhe disseram: a circuncisão é útil ou não? Ele lhes disse: se fosse útil, seu Pai os engendraria circuncisos de sua mãe. Mas a circuncisão verdadeira em espírito tem sido útil por inteiro.

Puech

53. Ses disciples lui dirent : La circoncision est-elle utile ou non ? Il leur dit : Si elle était utile, leur père 1 les engendrerait circoncis de leur mère. Mais la circoncision véritable en esprit a fait profit entièrement.

Suarez

1 Ses disciples lui dirent : 2 la circoncision est-elle utile ou non ? 3 Il leur dit : 4 si elle était utile, 5 leur père les engendrerait circoncis de leur mère. 6 Mais la véritable circoncision en esprit 7 a trouvé toute son utilité.

Meyer

53 (1) His disciples said to him, “Is circumcision useful or not?” (2) He said to them, “If it were useful, children’s fathers would produce them already circumcised from their mothers. (3) Rather, the true circumcision in spirit has become valuable in every respect.” [Cf. Romans 2:25–29]

Canônicos

Mas é judeu aquele que o é interiormente, e circuncisão é a do coração, no espírito, e não na letra; cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus. (Rom 2:29)

E recebeu o sinal da circuncisão, selo da justiça da fé que teve quando ainda não era circuncidado, para que fosse pai de todos os que creem, estando eles na incircuncisão, a fim de que a justiça lhes seja imputada, (Rom 4:11)
-* Porque a circuncisão é, na verdade, proveitosa, se guardares a lei; mas se tu és transgressor da lei, a tua circuncisão tem-se tornado em incircuncisão. (Rom 2:25)


Comentários

Roberto Pla

Há dois modos de circuncisão prescritos por Deus como selo da aliança: a circuncisão da carne (externa, manifesta) e a do coração (interior, oculta). Ambos os modos foram descritos pela Lei e pelos profetas, e incluso Jeremias falou dos incircuncisos de coração e de ouvido que não podem entender, e proporcionou com isto um elemento de valorização gnoseológica das formas de circuncisão.

Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração, e não mais endureçais a vossa cerviz. (Deut 10:16)

Também o Senhor teu Deus circuncidará o teu coração, e o coração de tua descendência, a fim de que ames ao Senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua alma, para que vivas. (Deut 30:6)

Assim diz o Senhor Deus: Nenhum estrangeiro, incircunciso de coração e carne, de todos os estrangeiros que se acharem no meio dos filhos de Israel, entrará no meu santuário. (Ez 44:9)

A quem falarei e testemunharei, para que ouçam? eis que os seus ouvidos estão incircuncisos, e eles não podem ouvir; eis que a palavra do Senhor se lhes tornou em opróbrio; nela não têm prazer. (Jr 6:10)

O logion é mais radical, pois a circuncisão na carne, como rito cultual, “não é útil” (gr. ophelei, opheleo = utilidade, ajuda, socorro, proveito, benefício, apoio), e somente é verdadeira a circuncisão em espírito. Em tudo isto coincide o apóstolo, o qual fala aos romanos da “verdadeira circuncisão segundo o espírito e não segundo a letra e raciocina que quando Abraão recebeu o sinal de circuncisão como selo (gr. sphragis), já havia mostrado “a justiça da fé que possuía sendo incircunciso” (na carne) (Rom 4,11). Daí que Paulo dissera que a circuncisão, em verdade, “é útil se cumpres a lei” (Rom 2,25).

  • Onde “cumprir a Lei” deve ser entendido aqui segundo a proposta do Deuteronômio: “Circuncidai o prepúcio de de vosso coração” (Dt 10,16). Não cabe admitir dúvida de que nosso logion é sinóptico com a doutrina explicada por Paulo Apóstolo na epístola aos romanos com respeito à circuncisão. A dificuldade consiste em decidir se Paulo conhecia o dito de Jesus, ou o Evangelho de Tomé repete ao apóstolo. De qualquer maneira, se trata de uma dilucidação a efetuar no “manifesto”. Desde o ponto de vista “oculto” tal dificuldade é irrelevante.

O que o logion denomina “a circuncisão verdadeira em espírito” é sem dúvida um lavado ou purificação dos conteúdos da alma, e o rito da circuncisão da carne o prefigura como selo da aliança ou união verdadeira que é dada pelo regime da fé. Este selo é o que torna possível a percepção da presença (parusia) do Filho do homem, e como consequência permite ao homem circunciso de “olhos e coração” alcançar o fim proposto pela lei divina: a justiça e a santidade.

Neste sentido de regime da fé no qual pode se dizer que a circuncisão é um sinal que tem no AT a mesma significação purificadora que possui o selo do batismo na Boa Nova. Ao rito cultual da fé, o segue o sacramento da fé, que permanece em mero rito também se, em ambos casos, ao braço estendido e espectante de Deus, não o sucede a justiça da fé, como porta da santidade.

Não deixa de anotar Lucas em seu evangelho a cerimônia de João e de Jesus ao cumprir-se os oito dias do pequenino, o qual se faz em ambos os casos em ato simultâneo ao da imposição do nome de significação divina dado pelo anjo (Lc 1,59; 2,21).

O Caminho de João, era “o da lâmpada que arde e ilumina” para dar testemunho da luz e o Caminho de Jesus — feito Caminho em si mesmo — começa quando a lâmpada não tem mais testemunho de si que suas obra, pois é a luz que arde sem pavio nem combustível, como corresponde ao “enviado” do Pai do qual “ninguém viu nunca seu rosto”. Mas ambos caminhos são um só, o Caminho do homem que o leva desde seus primeiros passos no mundo até a redenção final, quer dizer, até o cumprimento da aliança com o Pai.

Para a aliança final, a circuncisão verdadeira é útil, proveitosa, como é útil, proveitoso, o batismo verdadeiro em espírito. Quando ambas formas são externas e se reduzem a ser ritos cultuais, isentos de utilidade, proveito. O que importa e o que se explica em um sentido oculto em um caso e em outro, é a renovação, a vida nova que só é possível quando da plenitude de fé “em um coração purificado de consciência má” (Hb 10,22).