“O mistério que une dois seres é grandioso;
Sem ele, o mundo não existiria.” [Evangelho de Felipe, 60]
Esta passagem de Felipe está em sintonia com a tradição bíblica: No início, como diz o Gênesis, YHWH criou o homem e a mulher à sua própria imagem. Portanto, não é nem o homem nem a mulher que são à imagem de Deus, mas a relação entre eles. Felipe também está de acordo com a tradição filosófica ocidental:
Há uma certa idade em que a natureza humana tem o desejo
de procriação — procriação que deve ser em beleza e não em
deformidade; e essa procriação é a união do homem e da mulher, e é
uma coisa divina. [Platão, Banquete]
Isso pode ser uma surpresa para aqueles que associam Platão a leituras que lançam suspeitas sobre “as obras da carne”. Mas também devemos ressaltar que interpretações igualmente divergentes surgiram a partir de leituras do Gênesis.
Alguns viram o ensinamento de Platão como uma evocação da natureza andrógina da humanidade — ao mesmo tempo masculina e feminina -, um tipo de totalidade primordial pela qual temos um desejo nostálgico. Assim, o amor erótico parece ser um anseio desesperado pela metade que nos falta. Na mitologia e no pensamento gregos, a separação do homem e da mulher é vista como uma punição. Na mitologia e no pensamento hebraicos, entretanto, essa mesma separação é vista como uma bênção e um presente do Criador (por exemplo, a passagem de Gênesis, “Ele viu não ser bom o homem estar só”). A diferenciação sexual é vista até mesmo como uma oportunidade de obter um conhecimento mais profundo da fonte criativa de tudo o que vive e respira.
O objetivo de um relacionamento sexual não é meramente recuperar nossa metade perdida, obtendo assim acesso à individuação ou à nossa natureza andrógina original. Essa parte de nós mesmos que busca sua outra metade é, na verdade, um tipo de amor-próprio; não há acesso à alteridade aqui, apenas um tipo de diferenciação interna, que é considerada dolorosa e infeliz.
Na tradição hebraica, assim como no Evangelho de Felipe, o amor é mais uma busca de uma totalidade por outra totalidade. Não nasce da falta, da penia, mas do pleroma, um transbordamento em direção à alteridade.
Um ser humano nasce homem ou mulher, mas precisa se tornar um homem ou uma mulher — não apenas amadurecer biologicamente, mas tornar-se uma pessoa, um sujeito capaz de encontrar outra pessoa ou sujeito, em um amor que não seja carente ou exigente. A confiança e a consciência no abraço são o eco desse amor.
Veja como podemos simbolizar as visões grega e hebraica:
Alguns autores da tradição hebraica remontam esse encontro a dois seres que são sexualmente diferenciados, mas que compartilham uma única alma, ou um único sopro, antes do próprio nascimento. Essa é uma maneira metafísica de enfatizar o fato de que fomos criados para formar um casal, por meio do qual experimentamos a epifania da presença (shekhina) de YHWH.