Evangelho de Felipe (KDNH) – Sacramentos

Os discípulos de Jesus devem passar pelos sinais e pelos sacramentos:

A Verdade não veio ao mundo nua, mas envolta nos tipos e imagens. De outra forma, ele não a receberá. Existe uma regeneração e uma imagem de regeneração. Verdadeiramente, é preciso que se renasça pela imagem. O que é a ressurreição? E convém que a imagem pela imagem ressuscite: é preciso que o noivo e a imagem pela imagem penetrem na Verdade, que é a restauração. Isso convém para aqueles que não somente obtêm o nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, mas o obtiveram por si mesmos. Se alguém não o obtém por si mesmo, o nome lhe será retirado. Ora, nós o recebemos na unção da plenitude da força da (cruz), que os apóstolos chamaram “a direita e a esquerda”. Pois este não é cristão, mas sim um Cristo (p. 67,9-27).

Uma afirmação central orienta o tratado no sentido do mistério de Cristo nos sacramentos. Cada sacramento recebe comentário, particularmente o da “câmara nupcial”:

O Senhor (operou) tudo em um mistério: um batismo, uma unção, uma eucaristia, uma redenção e uma câmara nupcial (p. 67,27-30).

O batismo permite ao autor estabelecer oposição entre as águas da vida e as águas da morte. É pelo batismo que Jesus vem cumular a deficiência do homem:

Da mesma forma que Jesus tornou perfeita a água do batismo, ele também esvaziou a morte. É por isso que nós descemos à água, é verdade, mas não descemos na morte, de modo a sermos lançados de novo no espírito do mundo. Quando ele sopra, faz vir o inverno; mas, quando o Espírito Santo sopra, é o verão que vem (p. 77,7-15).

A unção destina-se aos espirituais, ao passo que o batismo é reservado aos psíquicos. Ela propicia o acesso a todo o mistério da salvação:

A unção é superior ao batismo. Com efeito, foi por meio da unção que nós fomos chamados cristãos, não pelo batismo. E Cristo foi chamado (assim) por causa da unção. Pois o Pai ungiu o Filho, o Filho ungiu os apóstolos e os apóstolos nos ungiram. Aquele que é ungido possui o Todo: possui a ressurreição, a luz, a cruz e o Espírito Santo. O Pai deu-lhe isso na câmara nupcial e ele b recebeu (p. 74,12-22).

A eucaristia permite ao crente unir-se ao Homem perfeito, tornando-se, por seu turno, também perfeito:

A taça da bênção contém vinho e contém água, servindo de símbolo para o sangue, sobre o qual damos graças. Ela está plena do Espírito Santo. E é a taça do Homem perfeito inteiro (p. 75,14-21).

A redenção (apolutrosis) lembra um rito exclusivamente valentiniano (cf. Ireneu, Contra as heresias, I, 21,2), que talvez corresponda ao viático ou unção dos enfermos da grande Igreja, que era administrada com óleo:

O mesmo ocorre com o pão, o cálice e o óleo, embora exista outro que lhe é superior (p. 74,36-75,2).

A câmara nupcial é sacramento superior aos outros:

A câmara nupcial não é (para) os animais, para os escravos ou para as mulheres maculadas, mas sim para os homens livres e as virgens (p. 69,1-4).

Se a mulher não houvesse se separado do homem, ela não morreria com o homem. Sua separação está na origem da morte. Foi por isso que Cristo veio corrigir novamente a separação que existia desde o início, reunindo os dois e vivificando os que estavam mortos na separação, unindo-os. Ora, a mulher uniu-se a seu marido na câmara nupcial. E os que se uniram na câmara nupcial não se separarão mais. Foi por isso que Eva separou-se de Adão, porque ela não se uniu a ele na câmara nupcial (p. 70,9-22).

Não há (pessoa que possa) saber qual é o (dia em que o homem) e a mulher se unem, salvo eles próprios. Com efeito, o casamento do mundo é um mistério para os que se casaram. Se o casamento maculado é oculto, o casamento imaculado, muito mais ainda, é mistério autêntico. Ele não é algo carnal, mas sim puro. Não pertence ao desejo, mas à vontade. Não pertence às trevas e à noite, mas sim ao dia e à luz. Quando um casamento é desvelado, torna-se impudicicia. E a noiva, não apenas quando recebe a semente de outro homem, mas mesmo quando ela abandona seu quarto de dormir (e) é vista, também comete impudicicia. Ela só deve se mostrar a seu pai e a sua mãe, ao amigo do noivo e às crianças da câmara nupcial. A estes é permitido penetrar todos os dias na câmara nupcial, mas os outros podem desejar apenas ouvir sua voz e sentir seu perfume, só podem desejar nutrir-se com as migalhas de pão que caem da mesa, como os cães. Os noivos e noivas pertencem à câmara nupcial. Ninguém poderá ver o noivo e a noiva, a não ser que (também) se torne um (p. 81,34-82,26).

É difícil imaginar que ritos precisos encontram-se por detrás desses sacramentos. Os cinco sacramentos valentinianos, sem dúvida, constituíam apenas cinco movimentos de um mesmo sacramento, o mistério. Eles expressam as diversas etapas do retorno do homem às suas origens divinas.