Apesar do título de “evangelho” dado a este texto, o gênero literário dos “ditos” de Jesus é difícil de encontrar no Evangelho de Felipe. Este texto se apresenta como uma sucessão de unidades literárias mais longas do que a simples sentença e mais próximas da homilia. O conjunto é gnóstico, sem qualquer dúvida, e a insistência nos sacramentos permitiu avançar a hipótese de uma catequese para catecúmenos. À medida que é possível fazer um corte numa sequência de discursos sem laços aparentes, duas partes podem ser entrevistas neste tratado:
— p. 51,29-67,27: Cristo e o mundo;
— p. 67,27-86,18: Cristo e os sacramentos.
Eis algumas passagens interessantes, antes de mais nada as que dizem respeito a Cristo:
Cristo veio resgatar alguns, libertar e salvar os outros. Aqueles que eram estrangeiros, ele resgatou e fez seus. E ele separou os seus, os que ele constituiu como penhor de sua vontade. Não foi somente depois de se ter manifestado que ele entregou sua alma, quando ele quis; ele entregou sua alma desde que o mundo existe. Quando ele quis, então veio antes de mais nada libertá-la, pois ela era mantida como refém. Ela se encontrava no meio dos bandidos e fora aprisionada. Ele a resgata e salva os bons (que estão) no mundo e os malvados (p. 52,35-53,14).
Cristo é “salvador salvo”, como precisa outro texto, bastante corrompido:
Jesus manifestou (às margens do Jordão) o Ple(roma) do Reino dos céus, que (existia antes) do Todo. Depois ele foi regenerado, (depois ele foi adquirido) como (Filho), depois ele foi ungido, (depois) resgatado e, em seguida, ele resgatou (p. 70,34-71,3).
Mas, ao entregar sua própria alma, Cristo salvou as almas dispersas na matéria e mantidas prisioneiras pelos bandidos, as forças das trevas. O Salvador veio separar os homens dos animais. Os seres hílicos, e até os arcontes, inconscientemente, participam de sua missão de salvação. Um texto, que faz alusão a Jo 6,31ss, diz:
Antes da vinda de Cristo, não havia pão no mundo. No Paraíso, havia muitas árvores para a alimentação dos animais, mas não havia trigo para a alimentação do homem. O homem se alimentava como os animais, mas quando veio Cristo, o Homem perfeito, ele trouxe pão do céu para que o homem se alimentasse com alimento de homem. Os arcontes pensavam que era por sua força e vontade que eles faziam o que faziam, mas o Espírito realizava tudo em segredo por eles, segundo o seu desejo. Eles semeiam a Verdade por toda parte, ela que existe desde sempre. Muitos a veem, depois que ela foi semeada, mas são muito poucos os que a veem depois que ela foi colhida (p. 55,6-14).
O círculo que cerca Jesus simboliza a comunidade perfeita dos pneumáticos, particularmente Maria Madalena, da qual o Evangelho de Maria diz (p. 18,13-15): “O Salvador a conheceu de modo indefectível. Por isso ele a amou mais do que a nós”:
(Havia) três (que) andavam sempre com o Senhor: Maria, sua mãe, sua irmã e Madalena, que era chamada sua companheira. Pois Maria é sua irmã, sua mãe e sua companheira (p. 59,6-11).