Na literatura cabalística, a maneira de procriação é enfatizada como sendo um elo essencial entre uma sociedade e seu destino final. O corpo e a mente estão igualmente envolvidos no ato, a ponto de se dizer que a “centelha” da divindade se implanta na matéria dos corpos gerados por meio do movimento do pensamento dos pais durante o momento da união. É como se esse pensamento tivesse em si o poder de encarnar — para empregar uma palavra excessivamente rica em implicações — o divino no coração dos corpos gerados e, assim, perpetuar uma linhagem genealógica de qualidade extraordinária.1
O Evangelho de Felipe distingue nascimento de concepção. Algumas crianças são bem nascidas, mas mal concebidas; a concepção está ligada à imaginação e ao desejo, com um encontro entre dois seres, não apenas dois apetites. É por isso que o dito 112 afirma:
Os filhos de uma mulher se assemelham ao homem que ela ama.
Quando se trata de seu marido, eles se assemelham ao marido.
Quando é o amante, eles se assemelham ao amante.
É possível procriar filhos (por impulso e acaso) sem tê-los concebido; e podem ser concebidos de diferentes maneiras. Há concepções problemáticas ou impuras (ou seja, o resultado do egocentrismo ou de objetivos egoístas). Há também concepções imaculadas, com intenções puras (ou seja, dar livremente, uma expressão de generosidade criativa, uma criança desejada para si mesma).
Há também um papel decisivo desempenhado pelo desejo, pela imaginação e pelos pensamentos dos pais em relação ao futuro filho como membro de um povo santo, seja no sentido interno ou externo do termo. Uma relação íntima funda uma genealogia íntima, que, em última análise, depende da intenção e do desejo mais do que de qualquer status histórico ou jurídico.2
Compare o que foi dito acima com a seguinte passagem do início do dito 30 do Evangelho de Felipe:
“Todos aqueles que são gerados no mundo
são gerados por meios físicos;
os outros são gerados por meios espirituais”.
Novamente, a ressonância entre este Evangelho e a tradição judaica posterior é impressionante. O ato físico de amor abriga um segredo que tem sérias implicações para todo o problema de um povo “escolhido” ou “santo”, ou de um Reino de Deus. E a questão de nossa possível participação em tal eleição acaba não tendo nada a ver com a família ou etnia à qual pertencemos. Em vez disso, tem a ver com a qualidade da confiança e da consciência no abraço, o que nos torna filhos do ato nupcial, ícones da união.