Evágrio — Tratado da Prática
PRAXIS ou PRAKTIKÉ ou PRÁTICA
Tradução de Antonio Carneiro acompanhada de notas do tradutor.
81 A caridade é filha da impassibilidade; a impassibilidade é a flor da prática; a prática repousa sobre a observância dos mandamentos; estes tem por guardião o temor a Deus, o qual é um produto da fé reta; e a fé é um bem imanente, ela que existe naturalmente mesmo entre aqueles que não creem ainda em Deus.
82 Assim como a alma, agindo por intermédio do corpo, percebe os membros que estão doentes, assim também o intelecto, exercendo sua atividade própria, aprende a conhecer seus poderes, por essa que lhe trava, descobre o comando capaz de a curar.
83 O intelecto, de tanto que faz a guerra contra as paixões, não contemplará as razões da guerra, pois se parece com aquele que combate à noite, mas, quando terá adquirido a impassibilidade, reconhecerá facilmente as manobras do inimigo.
84 O termo da prática, é a caridade, o da ciência, a teologia, o começo de uma é a fé, da outra a contemplação natural. Aqueles demônios que se prendem à parte apaixonada da alma dizem se opor à prática; quanto àqueles que assediam a parte racional, os nomeiam inimigos de toda verdade e adversários da contemplação.
85 Nada daquilo que purifica os corpos fica com eles após terem sido purificados, mas, as virtudes toda em conjunto purifica a alma e permanece junta após sua purificação.
86 A alma racional age segundo a natureza quando sua parte concupiscível tende à virtude, quando sua parte irascível luta por ela, e que sua parte racional percebe a contemplação dos seres.
87 Aquele que progride na prática diminui suas paixões, aquele que progride na contemplação diminui sua ignorância. Ora, as paixões, um dia serão destruídas por completo, mas, no que concerne a ignorância, é uma , diz-se, que tem um termo, uma outra que não tem.
88 As coisas que, segundo seu uso, são boas ou más são produtoras de virtudes ou de vícios. Pertencem então à prudência de fazer uso delas em vista de um desses dois fins.
89 Sendo considerado que a alma é tripartida, segundo nosso sábio mestre, quando a virtude está na parte racional se chama prudência, inteligência e sabedoria; quando está na parte concupiscível. se chama continência, caridade e abstinência; quando está na irascível, coragem e perseverança; e na alma inteira, justiça. O papel da prudência é de dirigir as operações contra os poderes adversos, protegendo as virtudes, fazendo fronte contra os vícios, regulando o que é neutro segundo as circunstâncias; aquele da inteligência é de organizar harmoniosamente tudo o que contribui para nos fazer atingir nosso objetivo; aquele da sabedoria é de contemplar as razões dos corpos e dos incorpóreos. O papel da continência é de olhar de maneira impassível os objetos que acionam em nós imaginações contrárias à razão; aquele da caridade é de se comportar com respeito à toda imagem de Deus mais ou menos da mesma maneira que com respeito ao Modelo, mesmo se os demônios procurarem maculá-la; aquele da abstinência é de rejeitar com alegria todos os prazeres da boca; não temer os inimigos e manter-se firme, valentemente, diante dos perigos, são os feitos da perseverança e da coragem. Quanto à justiça, seu papel é o de realizar uma espécie de acordo e de harmonia entre as partes e a alma.
90 O fruto da semeadura, são os molhos, aqueles das virtudes, a ciência; e como as semeaduras são acompanhadas de lágrimas, assim os molhos o são para a alegria.