Evágrio Prática 41-50

Evágrio — Tratado da Prática
PRAXIS ou PRAKTIKÉ ou PRÁTICA
Tradução de Antonio Carneiro acompanhada de notas do tradutor.

41 Quando nós somos obrigados a pernoitar algum tempo nas cidades ou nas vilas, então, sobretudo agarremos fortemente à abstinência ao frequentar os seculares, com medo que nosso intelecto, opacado e privado de sua vigilância habitual, pelo fato da circunstância presente, agisse contra sua vontade e tornasse um fugitivo, atingido pelos golpes do demônio.

42 Quando és tentado, não rezes antes de abraçar aquele que colérico dirigiste algumas palavras. Com efeito, tua alma está afetada pelos pensamentos, daí que a oração, ela também, não está pura. Mas, se tu lhe diz alguma coisa com cólera, confunde e faz desaparecer as representações sugeridas pelos adversários. Pois, tal é o efeito natural da cólera, mesmo quando se trata de boas representações.

43 É preciso aprender à conhecer as diferenças existentes entre os demônios e a notar as circunstâncias de suas vindas; conhecemos segundo os pensamentos — e os pensamentos, nós os conhecemos segundo os objetos — alguns entre os demônios surgem raramente e são mais pesados, outros são assíduos e mais ligeiros, e certos são os que assaltam de um só golpe e arrastam o intelecto para a blasfêmia. Isto, é necessário saber, para que, no momento quando os pensamentos começam à acionar o que constitui sua matéria e antes que sejamos expulsos para bem longe do estado que é o nosso, pronunciemos algumas palavras em sua direção, e denunciemos aquele que está lá. Desta maneira, progrediremos facilmente com a ajuda de Deus; quanto à eles, nós os faremos se elevar, repletos de admiração por nós e consternados.

44 Quando, nas lutas contra os monges, os demônios são impotentes, eles então se afastam um pouco, para observar qual virtude é negligenciada durante este período, e é por aí que, de repente, fazem sua aparição para despedaçar a infeliz alma .

45 Os demônios perversos fazem vir em sua ajuda os demônios mais perversos que eles, e, se eles se opõem uns contra os outros por suas disposições, concordam em uma única coisa , a perda da alma.

46 Não nos deixemos perturbar pelo demônio que arrasta o intelecto para blasfemar contra Deus e à imaginar estas coisas proibidas que não ouso sequer confiar à escritura; não o deixemos também quebrar nosso impulso. Pois o Senhor é « aquele que conhece os cursos » e sabe que desde quando estamos no mundo não conhecemos nunca semelhante loucura. Este demônio tem por objetivo nos desviar da oração, que cessemos de nos dirigir diante do Senhor nosso Deus e que não ousemos mais estender as mãos em direção àquele contra quem nos fez conceber semelhantes pensamentos.

47 As afeições da alma tem como sinal seja uma palavra proferida, seja um movimento do corpo, pelo qual os inimigos percebem se estamos com nossos pensamentos e os alimentamos no nosso seio, ou bem, se estamos rejeitados por nos preocuparmos com nossa salvação. Pois só Deus, quem nos fez, conhece nosso intelecto, e não tem necessidade, Ele, de sinais para conhecer o que está escondido no interior.

48 Com os seculares os demônios lutam utilizando de preferência os objetos. Mas, com os monges, é mais frequente usar os pensamentos; os objetos, com efeito, lhes fazem falta por causa da solidão. E tanto é mais fácil pecar interiormente quanto por ação, tanto a guerra interior é mais difícil quanto aquela que se faz pelos objetos. Pois o intelecto é uma coisa que à vontade se move , e sem estar a vontade se detém com sobre uma encosta de imaginações proibidas.

49 Não nos foi prescrito trabalhar, velar e jejuar constantemente, enquanto que « rezar sem parar » é uma lei para nós. Essas coisas, com efeito, que curam a parte apaixonada da alma, também tem necessidade de nosso corpo para serem executadas, e esse último, por causa da fraqueza que lhe é própria, não estará sujeito a tais fatigas; pois a oração fortifica e purifica o intelecto em vista da luta, porque é naturalmente feita para orar, mesmo sem esse corpo, e para combater os demônios em favor de todos os poderes da alma.

50 Se um monge quer conhecer pela experiência os cruéis demônios e se familiarizar com sua arte, que observe os pensamentos, que note suas tensões, seus relaxamentos, seus entrelaçamentos, seus momentos, quais demônios fazem isso ou aquilo, qual demônio faz seguir a tal outro demônio e qual o que não segue tal outro; e que se informe junto ao Cristo as razões dessas coisas. Com efeito, não podem suportar aqueles que se consagram com ciência à prática, desejosos que estão por « golpear a sombra aqueles que tem o caminho reto ».