Evágrio Prática

Evágrio — TRATADO DA PRÁTICA
PRAXIS ou PRAKTIKÉ ou PRÁTICA
Tradução de Antonio Carneiro acompanhada de notas do tradutor.

1 O Cristianismo é a doutrina do Cristo, nosso Salvador, que se compõe da prática, da física, e da teologia.

2 O reino dos céus é a impassibilidade da alma, acompanhada da verdadeira ciência dos seres.

3 O reino de Deus é a ciência da Santa Trindade, coextensiva com a substância do intelecto e ultrapassando sua incorruptibilidade.

4 Aquele que ama alguém, obrigatoriamente também o procura, e, aquele que o procura, luta também para obtê-lo; e se todo prazer começa pelo desejo, o desejo, ele, nasce da sensação, pois o que não faz parte da sensação é exempto também de paixão.

5 Contra os anacoretas, os demônios combatem sem armas; mas, contra aqueles que se exercitam na virtude nos monastérios ou nas comunidades, eles armam os mais negligentes dentre os irmãos. Ora, esta segunda guerra é muito menos pesada que a primeira, porque não é possível achar sobre a terra homens mais rancorosos que os demônios, ou que possam assumir, por vezes, todas suas malfeitorias.

6 Oito são todos os pensamentos genéricos que compreendem todos os pensamentos: o primeiro é o da gula, depois vem o da fornicação, o terceiro compreende todos os pensamentos é o da avareza, o quarto é o da tristeza, o quinto o da cólera, o sexto da acedia, o sétimo da vanglória, o oitavo do orgulho. Que todos esses pensamentos perturbam a alma ou não a perturbam, isso não depende de nós; mas, que eles acionam as paixões ou não as acionam, isto sim depende de nós.

7 O pensamento da gula sugere ao monge o fracasso rápido de sua ascese; ela lhe representa seu estômago, seu fígado, seu baço, a hidropsia, uma longa doença, a falta do necessário, e a ausência de médico. Frequentemente também ela lhe faz se lembrar de certos irmãos que caíram nesses males. Algumas vezes incita esses doentes eles-mesmos à se voltarem para aqueles que vivem na abstinência e a lhes contar suas infelicidades, pretendendo que eles se tornem tais quais por causa da ascese.

8 O demônio da fornicação compele à desejar corpos variados; ataca violentamente os que vivem na abstinência, para que cessem, persuadidos que não chegarão à nada; e, maculando a alma, os incita para atos vergonhosos, lhe faz dizer certas palavras e escutá-las em resposta, tudo como se o objeto fosse visível e presente.

9 A avareza sugere uma longa velhice, a impotência das mãos para o trabalho, as fomes que se produzirão, as doenças que surgirão, as amarguras da pobreza, e que vergonha tem para receber dos outros o que se tem necessidade.

10 A tristeza surge às vezes pela frustração dos desejos, às vezes também é uma consequência da cólera. Quando é pela frustração dos desejos, surge assim: certos pensamentos, aparecendo-lhes à frente, levam a alma à se lembrar do lar, dos pais, e da existência de outrora. E quando veem que, longe de resistir, a alma se põe à segui-los, e que dilata-se interiormente nos prazeres, então apoderam-se dela e a mergulham na tristeza, lhe relembrando que as coisas de outrora não existem mais e não podem mais existir, a partir em diante, por causa da sua vida que é agora; e a infeliz alma, quanto mais tinha se dilatado com os primeiros pensamentos, se abateu e se humilhou mais ainda com os segundos.
*§ 11-20
*§ 21-30
*§ 31-40
*§ 41-50
*§ 51-60
*§ 61-70
*§ 71-80
*§ 81-90
*§ 91-100