Tanquerey — Compêndio de Teologia Ascética e Mística
ART. I. Da tentação em geral
I. Os fins providenciais da tentação.
Deus não nos tenta diretamente: «Ninguém, quando é tentado, diga: é Deus que me tenta; porque Deus não pode ser tentado por mal algum, e ele próprio a ninguém tenta» 5. Mas permite que sejamos tentados pelos nossos inimigos espirituais, dando-nos, contudo, as graças necessárias para resistir: «Fidelis Deus qui non patietur vos tentari supra id quod potestis, sed faciet etiam cum tentatione proventum». E tem para isso excelentes razões.
Quer-nos fazer merecer o céu. Teria podido certamente conceder-nos o céu como um dom; mas quis sabiamente que o merecêssemos como recompensa. Quer até que o prêmio seja proporcionado ao mérito, por conseguinte, à dificuldade vencida. Ora, é indubitável que uma das dificuldades mais penosas é a tentação, que põe em risco a nossa frágil virtude. Combatê-la energicamente é um dos atos mais meritórios: e, depois de, com a graça de Deus, havermos dela triunfado, podemos dizer com S. Paulo que combatemos o bom combate e que só nos resta receber a coroa de justiça que Deus nos preparou. Será tanto maior a honra e a alegria em a possuir quanto mais tivermos feito para a merecer.
b) É também escola de humildade e desconfiança de nós mesmos: compreende-se, então, melhor a própria fraqueza e impotência, sente-se mais a necessidade da graça e ora-se com mais fervor. Vê-se melhor a urgência impreterível de mortificar o amor do prazer, fonte das nossas tentações, e abraçam-se com mais generosidade as pequenas cruzes de cada dia, para se amortecer o ardor da concupiscência (pleonexia, epithymia) .
c) É, enfim, escola de amor de Deus. É que, para resistir com mais segurança, lança-se o homem nos braços de Deus, em busca de força e proteção; e depois, os auxílios que Ele concede não podem deixar de lhe excitar na alma um vivo reconhecimento e de o levar a haver-se com Deus como um filho que em todas as dificuldades recorre ao mais amante dos pais.
Há, pois, na tentação numerosas utilidades, e é por isso que Deus permite que os seus amigos sejam tentados: «porque eras aceito a Deus, diz o anjo a Tobias, foi necessário que a tentação te provasse: quia acceptus eras Deo, necesse fuit ut tentatio probaret fe».