Esquecimento do Si, da Vida e do Filho [MHSV]

O esquecimento em que o Si se encontra com respeito a si mesmo nos permite compreender melhor sua verdadeira natureza. A saber, o Si só é possível imerso pateticamente em si mesmo sem se pôr nunca diante de si, sem se pro-por sob nenhuma forma visível (sensível ou inteligível). Tal Si estranho a todo aparecimento dele mesmo no mundo é aquilo a que chamamos um Si radicalmente imanente. Si não constituído nem visado pelo pensamento, sem imagem de si, sem nada que possa tomar para si o aspecto de sua realidade. Si sem visagem e que jamais se deixará visar. Si na ausência de todo Si perceptível. De modo que essa ausência de todo Si perceptível ou pensado no Si é constitutiva de sua Ipseidade verdadeira, bem como de tudo o que for possível a partir dela. Pois é somente porque nenhuma Imagem de si mesmo se interpõe entre ele e ele ao modo de uma tela que o Si é lançado em si mesmo sem proteção e com tal violência, que nada o defenderá desta, nem dele mesmo. É unicamente porque esta violência o fez ser um vivente no esquecimento de si da Vida, e assim no esquecimento de si mesmo, que o Si é possível como este Si a que nenhuma memória devolverá sua imagem, que nada separará nem livrará de si mesmo, de maneira que ele é este Si que ele é para sempre.

O esquecimento de si da Vida com seu corolário: o esquecimento de si do Si gerado na autogeração dela, aí está, pois, o que explica afinal de contas o esquecimento pelo homem de sua condição de Filho. Desse modo, o esquecimento pelo homem de sua condição de Filho não é [212] um argumento contra esta, mas consequência sua e, assim, sua prova. Mas o esquecimento pelo homem de sua condição de Filho não oferece apenas a prova dela: explica ainda o fato não menos extraordinário de que, apesar do exercício constante pelo ego de seu poder, exercício que o faz dizer “Eu Posso”, “Eu” –, este ego não esquece sua condição de ego menos constantemente do que esqueceu sua condição de Filho. Aqui se descobre uma sequência teórica mais que essencial. Precisamente porque o homem esqueceu sua condição de Filho, é sua própria condição de ego que lhe escapa. E, com efeito, uma vez oculta a Ipseidade em que todo eu e todo ego é gerado, então é a condição desse eu ou desse ego que é abolida: o ego já não é possível. Já não sendo possível, o ego já não é mais que um fantasma, uma ilusão. Desta dissolução resulta um dos traços mais característicos do pensamento moderno: um questionamento extremamente grave do próprio homem, sua desvalorização, sua redução ao que subsiste dele quando já não se sabe mais nada do que lhe permite ser um homem, a saber, um ego e um eu. Seria preciso seguir passo a passo as modalidades dessa morte teórica do homem através das múltiplas “críticas do sujeito” praticadas de Kant a Heidegger e, num plano mais superficial, pelo marxismo, pelo estruturalismo, pelo freudismo, pelas diversas ciências humanas, sem falar do cientificismo próprio de nossa época; mas esse não é o nosso propósito. Este é no máximo compreender o princípio desse desastre, não contar sua história.