ASCETISMO E MISTICISMO — EROS E AGAPE
A noção cristã do amor e suas transformações
Obra consagrada de Anders Nygren, protestante e professor de Teologia da Universidade de Lund, na Suécia. Jean Borella em seu estudo CARIDADE PROFANADA, não evoca as teses de Nygren, mas nas páginas 239-241 faz uma crítica pertinente, na medida que Nygren recusa fundar o amor, pois todo fundamento lhe parece contrário à natureza não motivável da caridade (agape).
Tal posição repousa sobre uma concepção particularmente estreita e racionalista da noção de fundamento. Por isto Nygren denuncia a pretensa imprecisão da concepção joanica do amor…1 «Em realidade, a ideia joanica da agape ocupa um lugar um pouco flutuante entre o amor não motivado e o amor motivado.» Esta afirmação dispensa comentário. Seu autor, que não tem sentido de proporção, ignora a diferença a priori que há entre um exegeta do século XX e o Filho do amor ao próximo exclui todo amor de si, porque recusa todo egoismo, mesmo espiritual. Mas Nygren não se dá conta que não há verdadeiro amor de si “natural”, e que o egoismo, como mostramos, implica ao contrário todas as formas de ódio de si, e nada mais é que um amor aparente. Quanto ao egoismo espiritual, é uma contradição in terminis, pois onde há espírito, não há mais ego. No entanto resta que devo salvar minha alma e que segundo o Cristo, senão Anders Nygren, ganhar o mundo inteiro não poderia compensar a perda. Emfim, em virtude de suas visões particulares sobre o Eros grego que identifica com a gnose, Nygren opõe perpetuamente gnosis e agape, querendo demonstrar que aí está toda a tese do Novo Testamento. Mas como explicar então que os dois textos de Paulo Apostolo mas “essenciais” sobre a caridade (Ef. III, 17-19 e 1Co XIII, 12) terminam justamente sobre a afirmação da gnose divina. Sem dúvida há uma gnose do Pleroma divino, e pela caridade se conheceria como sou conhecido, quer dizer a gnose que teria de Deus será a gnose mesma que Deus tem de mim. A perfeição do Amor é o Conhecimento eterno. E quando Nygren, se apoiando sobre a afirmação: “Aquele que não ama não conhece Deus, quer provar que nisto pelo meno S. João não difere de S. Paulo, como não vê, que por isto mesmo, aquele que ama Deus pode aceder à gnose perfeita? 2.
Enfim quando Nygren se questiona «se se encontra uma única vez em Paulo a palavra agape no sentido de amor por Deus», não podemos aí ver que cegueira intelectual, ou escrúpulo de exegeta: «para aqueles que amam Deus tudo concorre ao Bem» diz Paulo Apostolo empregando o verbo agapein3
*EROS E AGAPE 1
*EROS E AGAPE 2
- Eros et Agapè, p.165, «este amor não pode ser considerado sem motivo… encontramos as vezes um “porque” indicando o motivo deste amor…» «O Pai vos ama porque vós me amais».[↩]
- São João escreve com efeito: «o amor é de Deus, e quem quiser que ame nasceu de Deus e conhece Deus. Aquele que não ama não conheceu Deus, posto que Deus é amor» (1Jo IV, 7-8). O texto grego emprega ginoskei (da mesma raiz que gnosis) que designa um conhecimento permanente e definitivamente adquirido. Mas para traduzir: não conheceu ele emprega o aoristo egno, que designa o processo de aquisição do conhecimento. Isto significa que: não amar, é não se dispôr na medida de adquirir à gnose «Aquele que ama Deus… manifesta também que tem de Deus o conhecimento dos perfeitos, a gnose autêntica (…). Aqueles que praticam a caridade e desconhecem praticamente esta noção do amor divino nada têm, embora pretendam, da verdadeira gnose.» (A. Charue, in La Sainte Bible, tome XII, p.545)[↩]
- Rom VIII, 28. Assim como 1Co, II,9; 1 Co VIII,3; Ef. VI,24 — onde o amor por Deus é cada vez expresso pela palavra agapein.[↩]