ESCOTO ERIUGENA — ANÁLISE DO TRATADO «DA DIVISÃO DA NATUREZA».
Nicola Abbagnano — História da Filosofia
AS QUATRO NATUREZAS
O título da obra principal de João Escoto: A divisão da natureza é de pura origem platônica. A «divisão» a que se refere significa a operação fundamental da dialética platônica, operação que Erígena defende como constitutiva da própria estrutura da natureza; e a «natureza», segundo os ensinamentos do Parmênides e do Sofista, é o conjunto do ser e do não ser. Retomando um modelo de Santo Agostinho (De civ. Dei, V, 9). Erígena divide a natureza em quatro partes.
A primeira natureza cria e não é criada: é ela a causa de tudo o que é e que não é. A segunda é criada e cria; constitui o conjunto das causas primordiais. A terceira é criada e não cria e corresponde ao conjunto de tudo o que é gerado no espaço e no tempo. A quarta não cria nem é criada, é o próprio Deus, como fim último da criação (De div. nat., I, 1).
Faz parte destas quatro naturezas não só tudo o que é, como também tudo aquilo que não é. Pelo não-ser, não se entende o nada, mas a negação das várias determinações possíveis do ser. Deste modo poderá afirmar-se que não são as coisas que escapam aos sentidos e ao inteleto; ou as coisas inferiores em relação às coisas superiores e celestes, ou as coisas futuras que ainda não são; ou as que nascem e morrem; ou, em suma, as que transcendem o entendimento e a razão. Todas as coisas deste gênero, de certa forma, não são: todavia não se identificam com o nada e constituem parte da realidade universal a que Escoto chama natureza (I, 3 e segs.).
As quatro naturezas constituem o círculo vital do ser divino: «Em primeiro lugar, Deus descende da super-essencialidade da sua natureza, na qual deve dizer-se que Ele não é; criado por si próprio nas causas primeiras, converte-se em princípio de toda a essência, de toda a vida, de toda a inteligência, o que a teoria gnóstica considera como causas primordiais. Em segundo lugar, ele desce às causas primordiais que estão entre Deus e a criatura, entre a inefável super-essencialmente de Deus, que transcende toda a inteligência e a natureza que se manifesta aos que têm um espírito puro; encontra-se no efeito das causas primordiais e manifesta-se abertamente nas suas teofanias. Em terceiro lugar, procede através das formas múltiplas de tais efeitos até à última ordem da natureza inteira que contém os corpos. Deste modo, procedendo ordenadamente em todas as coisas, cria todas as coisas e acaba por ser tudo em tudo; e volta a si próprio, chamando a si todas as coisas, e apesar de se encontrar em todas as coisas, não deixa de estar acima de tudo» (III, 20).
Este círculo, pelo qual a vida divina procede a constituir-se constituindo todas as coisas e com elas torna a si própria, é o pensamento fundamental de João Escoto. Nele se encontra contida e determinada a relação entre Deus e o mundo. O mundo é o próprio Deus, enquanto teofania ou manifestação de Deus; mas Deus não é o mundo, porque ao criar-se e converter-se em mundo, se mantém acima dele.