Erigena Mundo

ESCOTO ERIUGENA — ANÁLISE DO TRATADO «DA DIVISÃO DA NATUREZA».

Nicola Abbagnano — História da Filosofia
A TERCEIRA NATUREZA: O MUNDO
A terceira natureza criada e não criadora, é o próprio mundo-o conjunto universal das coisas sensíveis e não sensíveis que procedem das causas primeiras pela ação distributiva e multiplicadora do Espírito Santo.

Escoto sustenta que todos os corpos do mundo são constituídos de forma e matéria. A matéria, quando privada de forma e de cor, é invisível e incorpórea e é por isso, objeto não dos sentidos mas da razão. É resultado do conjunto das diversas qualidades, por si mesmas incorpóreas, que a constituem reunindo-se conjuntamente: e transforma-se nos distintos corpos à medida que se lhe juntam as formas e as cores (III, 14).

Também a terceira natureza, isto é, o mundo, não se distingue na realidade do Verbo divino. A razão, afirma energicamente Escoto, obriga-nos a reconhecer que no Verão não só subsistem as causas primeiras, como ainda os seus efeitos; e do mesmo modo, nele se encontram os lugares e os tempos, as substâncias, os gêneros e as espécies, até as espécies especialíssimas representadas pelos indivíduos com todas as suas qualidades naturais. Numa palavra, subsiste no Verbo tudo o que está reunido no universo das coisas criadas, tanto o que é compreendido pelos sentidos, ou pela inteligência humana ou angélica, como o que transcende os sentidos e a própria mente (III, 16). O mundo foi certamente criado: afirma-o a Sagrada Escritura. O mundo é certamente eterno, porque subsiste no Verbo; afirma-o a razão. De que maneira se conciliam criação e eternidade, é problema que a mente humana não pode resolver. Mas, na realidade, talvez o problema seja mais aparente do que real. As coisas que subsistem no espaço e no tempo e estão distribuídas nos gêneros e nas formas do mundo sensível não são, em verdade, distintas das causas primeiras que subsistem em Deus, e são o próprio Deus. Não se trata de duas substâncias diversas, mas de dois modos diversos de entender as mesmas substâncias; na eternidade do Verbo divino, ou na vida do tempo. Assim, não há duas substâncias «homem», uma como causa primordial, e outra individuada no mundo; mas uma só substância, que pode ser entendida de dois modos, ou na sua causa intelectual, ou nos seus efeitos criados. Entendida da primeira forma, está livre de toda a mutabilidade; entendida da segunda, surge formada por qualidades e quantidades diversas e é susceptível de ser conhecida pela inteligência (IV, 7).

Vê-se assim, que Deus não é apenas o princípio, mas também o fim das coisas. A Ele, portanto, retornarão as coisas que dele saíram e nele se movem e estão. A Sagrada Escritura ensina claramente o fim do mundo e é por outro lado evidente, que tudo o que começa a ser o que antes não era, deixará também de ser o que é. Pois bem, se os princípios do mundo são as causas de que saiu, estas mesmas causas serão o último termo do seu retorno. O mundo não será reduzido ao nada, mas às suas causas primeiras; e, uma vez terminado o seu movimento, será conservado perpetuamente em repouso. Pois bem, as causas primeiras do mundo são o próprio Verbo divino: ao Verbo divino voltará, portanto, o mundo quando chegar o seu termo. Uma vez reunido a Deus, para o qual tende no seu movimento, o mundo não terá um fim ulterior a atingir e necessariamente repousará. Por isso o princípio e o fim do mundo subsistem no Verbo de Deus e são o próprio Verbo (V, 3, 20).

Se a tese típica do panteísmo é de que Deus é a substância ou a essência do mundo, não há dúvida de que a doutrina de Escoto é um rigoroso panteísmo. «Deus está acima de todas i as coisas e em tudo, disse Escoto; só Ele é a essência de todas as coisas porque só ele é; e, sendo tudo em tudo, não deixa de ser tudo fora de todas as coisas. Ele é tudo no mundo, tudo ao redor do mundo, tudo na criatura sensível, tudo na criatura inteligível; é tudo ao criar o universo, torna-se tudo no universo, está todo em todo o universo, está todo nas várias partes deste, porque ele é o todo e a parte e não é nem o todo nem a parte» (IV, 5).

Constantemente, o panteísmo, quer na filosofia medieval quer na moderna, assumiu como princípio seu a tese — deste modo expressa, — de que Deus é a substância do mundo. Por outro lado, poderá compreender-se que uma outra enérgica afirmação de Escoto Erígena, a de que Deus está fora de todo o universo e que não é nem o todo nem a parte, possa ser assumida como prova do carácter não panteísta da sua doutrina.