ESCOTO ERIUGENA — ANÁLISE DO TRATADO «DA DIVISÃO DA NATUREZA».
Nicola Abbagnano — História da Filosofia
O CONHECIMENTO HUMANO
O homem interior é uma imagem da Trindade divina. Escoto retoma e desenvolve, à sua maneira, este pensamento de Santo Agostinho. As três pessoas divinas relacionam-se entre si como a essência (Ousía) a potência (Dynamis) e o ato (Energeia). Na alma humana, a essência é a inteligência ou nous, que é a parte mais elevada da nossa natureza e pode perceber Deus e as coisas nas suas causas primordiais. A razão ou logos corresponde à virtus ou dynamis e refere-se aos princípios das coisas que vêm imediatamente a seguir a Deus. O sentido interior ou dianoia corresponde ao ato ou energeia e diz respeito aos efeitos, visíveis ou invisíveis, das causas primordiais. Este sentido interior é essencial à razão e ao entendimento, apesar de o sentido interior, que se serve dos cinco órgãos e reside no coração, pertencer mais ao corpo do que à alma e perecer com a dissolução do corpo (II, 23).
A estas três partes da alma correspondem três movimentos diversos: segundo a alma, segundo a razão, segundo os sentidos. O primeiro movimento é aquele mediante o qual, a alma se move até ao Deus desconhecido, para além de si própria e de toda a criatura. Através deste primeiro movimento, Deus aparece à alma como transcendente a tudo o que é e como absolutamente indefinível. O segundo movimento é aquele pela qual a alma define o Deus desconhecido como causa de todas as coisas, porque nele estão as causas primordiais. O terceiro movimento é o que diz respeito às razões das coisas singulares. Parte das imagens recolhidas pelos sentidos externos e, a partir dessas imagens, ergue-se até às razões últimas das coisas das quais são imagens. Através deste movimento, a própria imagem sensível transfigura-se. De imagem impressa nos órgãos dos sentidos, transforma-se em imagem que a alma sente em si como própria; é precisamente desta imagem espiritualizada que a alma parte para ascender até às razões eternas das coisas (II, 23).
A correspondência entre a alma e Deus estende-se também àquilo que diz respeito ao conhecimento que a alma tem de si própria. Como Deus é cognoscível através das suas criaturas, mas incompreensível em si próprio, já que nem ele próprio nem outro pode entender que coisa seja, uma vez que não possui um quid, uma essência determinada que se possa entender, assim a alma humana sabe que é, mas de nenhuma maneira pode conhecer aquilo que é. E isto não é um limite ou uma imperfeição da própria mente. Assim como a melhor maneira de aproximarmo-nos de Deus não é a afirmação mas a negação, não é o conhecimento mas a ignorância, porque Deus, não tendo limites, não pode ,ser definido nem restringido a uma essência determinada; também se à alma fosse possível conhecer a sua própria essência, isso significaria a possibilidade de circunscrevê-la e implicaria a sua dissemelhança com o Criador (IV, 7).