Ensinamentos de Silvano [KDNH]

BIBLIOTECA DE NAG HAMMADI
Excertos de do livro de R. Kuntzmann e J.-D. Dubois, trad. de Álvaro Cunha
Ensinamentos de Silvano (VII,4)
Tradução de Y. Janssens, in BCNH, n.° 13, 1983.

Estes ensinamentos não têm nada de sistemático: trata-se de uma espécie de antologia de preceitos morais e filosóficos reunidos em coletânea de sabedoria, como devia circular nos meios monásticos do Egito. As sentenças, misturadas com hinos, preces e monições, deixam transparecer influências diversas, desde a Bíblia e Fílon de Alexandria até as grandes correntes filosóficas gregas. Mas elas não têm nada do gnosticismo dos outros textos da coleção: nem seu dualismo, nem seu docetismo, nem sua limitação da salvação a alguns iniciados, nem sua recusa do Deus criador. O sincretismo dessas sentenças poderia permitir que se situe toda a coleção em torno de fins do século II de nossa era, no Egito.

Por pseudonímia, estes ensinamentos são atribuídos a Silvano, o companheiro de Paulo (2Cor 1,19) e talvez de Pedro (lPd 5,12), mas, na realidade, parecem mais tardios (por volta de começos do século III), provindo talvez de Alexandria. Embora exposta sem ordem doutrinária, a cristologia do tratado já é bastante elaborada e ortodoxa. Cristo é identificado Com o Logos e a Sabedoria (p. 106,20-30):

Dá-lhes a vida. Eles viverão de novo. Pois a árvore da vida é Cristo, ele é a Sabedoria. Com efeito, ele é a Sabedoria e também o Logos; ele é a Vida, a Força e a Porta; ele é a Luz, o Anjo e o Bom Pastor. Entrega-te àquele que se tornou o Todo por ti.

Eis algumas sentenças que dão uma ideia de conjunto:

p. 84,16-26: Abole toda puerilidade, adquire a força do intelecto e (da) alma e fortalece a guerra contra toda loucura das paixões eróticas, bem como contra a maldade perniciosa, o amor pela glória e pelas querelas, o penoso ciúme, a persistência da cólera e a cobiça pelo dinheiro.

p. 86,16-23: Que Deus resida em teu campo, que seu Espírito guarde tuas portas e que o intelecto da piedade guarde teus muros! Que o Logos santo se torne a tocha de teu intelecto, queimando a madeira que é todo o pecado.

p. 87,4-13: Meu filho, acolhe a educação e a sabedoria, não fujas da educação e da sabedoria. Mas, se és instruído, aceita com alegria; e, se és educado em alguma coisa, faz o que é certo: assim construirás uma coroa de educação para o teu guia interior.

p. 88,15-23: Recebe a luz de teus olhos e expulsa as trevas de ti. Vive em Cristo e adquirirás um tesouro no céu. Não te tornes cheio de muitas coisas que não têm utilidade e não te tornes (o) guia de tua ignorância, que é cega.

p. 90,2-91,20: Tu, insensato, chora por ti! Já é hora, meu filho, de retornares à tua natureza divina. Rejeita para longe de ti esses maus companheiros astutos. (Toma) Cristo, (esse) verdadeiro amigo, como bom mestre. Rejeita para longe de ti a morte, que se tornou pai para ti, pois a morte não existia nem existirá no fim. Mas, como rejeitaste Deus para longe de ti — Deus, o Pai santo, a verdadeira vida, a fonte da vida — por causa disso tu te atribuíste a morte como pai e adquiriste a ignorância como mãe e elas se privaram do verdadeiro conhecimento. Mas retorna, meu filho, a teu primeiro Pai, Deus, e (à) Sabedoria, tua Mãe, de onde saíste desde o princípio, a fim de lutar contra todos os inimigos, as Forças do Adversário.

O tratado conclui com um colofão que é grito partido do coração do copista. Jesus Cristo, a primeira palavra, é transcrito sob a sua forma abreviada ICHTHUS.

Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador, maravilha extraordinária.