Mestre Eckhart — TERMOS E NOÇÕES
VIRGEM
Reiner Schürmann
Excertos de “MAÏTRE ECKHART OU LA JOIE ERRANTE”
Comentários ao “Sermão II — Intravit Iesus in quoddam castellum…”
“Era preciso necessariamente que fosse uma virgem por que Jesus foi recebido. ‘Virgem’, isso designa alguém que está liberado de todas as imagens, tão franco quanto ele era enquanto não era”. Esta interpretação da palavra “virgem” faz apelo a uma tradição filosófica ao invés de bíblica. A “necessidade” que evoca Mestre Eckhart contém uma alusão à teoria da impressão (marca) que uma representação depõe no intelecto.
A recepção de Jesus por uma “virgem” pode se comparar àquela de uma imagem no intelecto: se quer a receber, é necessário que o intelecto esteja vazio da determinação que ela aporta: «entbildet». Quando a imagem entra em ti, Deus deve ceder com toda sua divindade; tu pertences então às imagens, e não mais a Deus. O homem maduro “sabe muitas coisas, e tudo isso, são imagens”. Eis porque o intelecto deve estar inteiramente vazio, pura receptividade, para acolher todo inteiro Jesus todo inteiro. Eis o que significa “ser virgem”.
O homem por quem Jesus vem a ser recebido deve se tornar tão livre de toda representação “quanto ele era enquanto não era”. Antes que eu fosse, antes de meu nascimento sobre a terra, eu existia segundo um modo antes de todo modo. Eu ainda não era este ser que conhece as coisas pela mediação de representações ou de fantasmas: eu era inteiramente livre de toda imagem tirada do mundo, pois do mundo, eu dela ainda não tinha. Nesta existência originária, quando eu era e portanto ainda não era, nenhuma necessidade me prendia ao conhecimento das coisas sensíveis por representações tiradas do sensível: nenhuma imagem estava em mim. A totalidade das coisas não me era estranha como o são as representações, pois tudo se tinha em mim enquanto “ideia”. Nesta preexistência, cada ideia é igualmente próxima de todas as outras; graças a sua possessão simultânea, eu era inteiramente “franco”, «ledic», “virgem” de todas as imagens.
Quem quiser receber Jesus deve se desprender de todas as imagens exteriores e se tornar tão livre quanto era antes de vir ao mundo.
Mestre Eckhart não se tarda aqui sobre esta existência eterna do homem antes de sua vinda ao mundo (vide Preexistência da Alma). Ele traça todavia para seus ouvintes o caminho que os convida a um engajamento: lhes propor uma via de desprendimento e de recuperação da liberdade originária, eis o que unicamente importa. Toda a sequência do sermão é uma retomada incansável desta solicitação sobre um caminho aberto à existência pelo qual ela aí se engaja e o percorre.
Sem dúvida, este primeiro parágrafo contém uma alusão à Virgem Maria, posto que se pode traduzir igualmente: “Era preciso necessariamente que fosse uma virgem por quem Jesus fosse recebido”. A palavra empregada por Eckhart, «enpfangen», significa “receber” assim como “conceber”. Mas esta alusão é secundária: o predicador se situa de pronto na sua própria compreensão, que chamaremos peregrinal, da virgindade.