Mestre Eckhart — Termos e Noções
Tempo
Daisetz Suzuki: MÍSTICA: CRISTÃ E BUDISTA
Quero apresentar ao leitor, em primeiro lugar, as concepções de Eckhart sobre o tempo e a criação, que são abordados no sermão pronunciado no dia de Santa Germana. Eckhart cita uma sentença do Eclesiástico: “Em seus dias, ele agradou a Deus e foi achado justo”. Tomando, primeiro, a frase “Em seus dias”, Eckhart a interpreta de acordo com seu próprio entendimento:
. . .há mais que um dia. Há o dia da alma e o dia de Deus. Um dia, seja há seis ou sete anos, ou há mais de seis mil anos, está tão perto do presente quanto ontem. Por quê? Porque todo o tempo está contido no momento presente. O tempo vem da revolução dos céus e o dia começou com a primeira revolução. O dia da alma ocorre dentro deste tempo e consiste na luz natural em que as coisas são vistas. O dia de Deus, porém, é o dia completo, compreendendo tanto o dia quanto a noite. É o verdadeiro momento presente, que para a alma é o dia da eternidade, no qual o Pai gera seu Filho unigênito e a alma renasce em Deus.
O dia da alma e o dia de Deus são diferentes. Em seu dia natural, a alma conhece todas as coisas acima do tempo e do lugar; coisa alguma está longe ou perto. E por isso digo que, nesse dia, todas as coisas são de categoria igual. Seria insensatez falar-se do mundo como tendo sido feito por Deus amanhã ou ontem. Deus faz o mundo e todas as coisas neste momento presente. O tempo transcorrido há mil anos está agora tão presente e tão próximo, para Deus, quanto este próprio instante, A alma que existe neste instante presente, nela o Pai gera seu Filho unigênito e naquele mesmo nascimento a alma é levada de volta a Deus. É um nascimento; tão cedo quanto ela renasce em Deus, o Pai gera nela seu Filho unigênito.
Deus o Pai e o Filho nada tem a ver com o tempo. A geração não é no tempo, mas no fim e limite do tempo. No movimento passado e futuro das coisas, vosso coração perpassa; é em vão que tentais conhecer as coisas eternas; das coisas divinas, deveis vos ocupar intelectualmente. . .
Mais uma vez; Deus ama por si mesmo, atua por si mesmo: o que significa que Ele ama pelo amor e atua pela ação. Não se pode duvidar que Deus jamais teria gerado seu Filho na eternidade se (sua ideia de) a criação fosse outra que não (seu ato de) sua criação. Assim, Deus criou o mundo para que ele possa manter-se criando. O passado e o futuro estão ambos longe de Deus e afastados de seu caminho.
Por estas passagens, vemos que a história bíblica da Criação é inteiramente contraditada; para Eckhart, ela não tem, mesmo, uma significação simbólica, e, além disso, seu Deus não é, de modo algum, semelhante ao Deus concebido pela maioria dos cristãos. Deus não está no tempo matematicamente computável. Sua capacidade criadora não é histórica, nem acidental nem, de modo algum, mensurável. Prossegue continuamente, sem cessar, não tendo começo nem fim. Não é um acontecimento de ontem, de hoje ou de amanhã: procede da inexistência do tempo, do nada, do Vácuo Absoluto. A obra de Deus é sempre feita em um presente absoluto, em um eterno “momento que é tempo e espaço em si mesmo”. A obra de Deus é puro amor, absolutamente livre de todas as formas de cronologia e de teleologia. A ideia de Deus criando o mundo do nada, em um presente absoluto, e portanto inteiramente livre da restrição de uma concepção de tempo seriada não parecerá estranha aos budistas. Talvez possam eles acharem-na aceitável, como reflexo de sua doutrina da Vacuidade (sunyata).
Traduções em francês
Gwendoline Jarczyk e Pierre-Jean Labarrière
SERMÃO II
SERMÃO X
SERMÃO XI
SERMÃO XXII
SERMÃO XXIII
SERMÃO XXXVIII