Ancelet-Hustache
Sermon 4 — Omne datum optimum et omne donum perfectum desursum est. Jacobi I (Tiago 1,17).
O problema abordado por Mestre Eckhart no início deste sermão vai muito além de simples opiniões “livres”, por exemplo, sobre a prioridade do intelecto ou da vontade entre os poderes da alma. No ponto que aborda aqui, nunca o pegaremos no ato de se contradizer, porque para ele é a própria base da doutrina evangélica que está em questão. Sempre voltava a ela sem nunca se comprometer.
Já nas Instruções Espirituais, Eckhart havia dito a seus noviços: quando o homem busca apenas a vontade de Deus “… o que quer que Deus lhe envie… que ele considere isso como o melhor para ele e que fique completa e totalmente satisfeito com isso”. Deus só pode querer o que é bom, “seja doença ou pobreza, fome ou sede…”. Aqui, Eckhart não trata do “problema do mal”, um termo ambíguo, pois também inclui o pecado, mas do escândalo do sofrimento gratuito aparentemente imerecido.
O pregador adivinha a pergunta que vem à mente de seus ouvintes: “Como posso saber se essa é a vontade de Deus ou não? A resposta é peremptória: “Saibam disso: se não fosse a vontade de Deus, não seria”. Eckhart gosta de repetir isso com particular insistência, e neste mesmo sermão. Ele nos lembra das palavras da Oração do Senhor: “Seja feita a Vossa vontade”. E nós reclamamos quando essa vontade é feita.
Em virtude de sua generosidade, que é seu próprio ser, Deus perdoa os maiores pecados com a maior boa vontade e concede seus grandes dons com a maior boa vontade: como prova, os anjos que, sendo totalmente espirituais, são os mais numerosos…
A última frase desse desenvolvimento: “O amor é nobre porque é universal” introduz uma passagem sobre o amor ao próximo: “O amor é mais uma recompensa do que um mandamento”. Eckhart leva ao pé da letra o texto do Evangelho: “Amar o próximo como a si mesmo”, consequência direta do amor que se deve ter a Deus, e o desenvolve em seu sentido mais estrito. Ainda é necessário entender o que Mestre Eckhart quer dizer com “amor”: não como uma questão de namoro e sensibilidade, mas no sentido tradicional de “desejar o bem”.
Aqui encontramos um dos aspectos mais profundos do pensamento eckhartiano: “Deus deve se dar a mim em seu próprio direito, tanto quanto ele pertence a si mesmo, ou então eu não tenho nada, nada tem gosto para mim”. Portanto, o amor não é a condição para que Deus se dê a nós, mas sim a consequência e o sinal desse dom.
O pregador agora chega ao fim: “O Pai das luzes”, uma continuação da epístola de São Tiago (1:17). “Uma vez que o Pai gera eternamente seu Filho em mim, eu sou o mesmo Filho e não outro”. Eckhart cita Romanos 8:17: “Sendo Filhos, somos herdeiros”. Desde que estejamos “abaixo”, ou seja, na mais profunda humildade.