Giuseppe Faggin — Meister Eckhart e a mística medieval alemã
Excertos da tradução portuguesa da ECE Editora, 1984
A ESTRUTURA TEOLÓGICO-METAFÍSICA DA MÍSTICA ECKHARTIANA
Ao reconstruir historicamente o processo da mística medieval geralmente se busca sua inspiração na doutrina neoplatônica e, de modo particular, em Plotino, como se fosse possível seguir ininterruptamente a corrente mística desde o filósofo de Licópolis até as mais maduras expressões da experiência cristã, e como se a originalidade da mensagem de Cristo e a complexa elaboração católica desaparecessem ou se atenuassem sob o influxo da especulação sistemática do pensamento helênico. Não há dúvida que a filosofia plotiniana é a expressão racional de profundas exigências ético-religiosas e que está totalmente animada por um profundo sentido místico mas, a fim de estabelecer cautelosamente o efetivo alcance deste misticismo e também para colocar em seguida sob sua luz verdadeira a originalidade da doutrina de Eckhart, bastará expor brevemente as linhas fundamentais do sistema de Plotino, fazendo realçar, junto ao aspecto místico, seu aspecto racional e humano. Não será difícil decidir se o panteísmo, que se reprova habitualmente aos místicos de evidente inspiração neoplatônica, tem sua verdadeira origem em Plotino.
O absoluto é o Uno, o Bem, o Primeiro; é o manancial de toda a realidade mas, por sê-lo, está além de todo o ser e de toda a determinação lógica. O pensamento, que existe em função de uma multiplicidade ideal que se deve discriminar, não pode nem defini-lo nem pensá-lo, pois o Uno é mais que pensamento e o pensamento não é a única realidade. Toda a determinação racional o limita e, portanto, não o pode alcançar. O Uno não é auto-consciência porque a auto-consciência implica na distinção do diferente de si mesmo; não é pensamento porque o pensamento está em função do Bem, seu fim absoluto; não é vontade porque a vontade é a aspiração consciente em relação a um objeto; não é amor porque o amor deriva de uma deficiência espiritual. O Absoluto não é, portanto, nem o sujeito puro, intelectualmente compreendido, nem puro objeto; pode ser concebido como sujeito apenas a condição de que se o pense como absoluto poder criador que produz, sem contemplar, o objeto engendrado; pode ser concebido como objeto de nosso pensamento e de nossa vontade, mas sempre que se o considere como o centro mais íntimo da subjetividade e deixe de constituir um dualismo lógico. É absoluta liberdade, não no sentido de realidade livre senão como ato libertador.
A teologia negativa força o pensamento até o limite extremo sem querer admitir compromissos com analogias proporcionais: toda a fórmula fica abstrata e inadequada para significar a Vida profunda e infinita. Nossa inteligência, justamente porque compreende a limitação de qualquer conceito, renega a si e reconhece acima de si mesma a Transcendência que não é pensamento, exigindo assim do espírito uma superior potência intuitiva que seja supremo ato de vida. Com efeito, na vida, dentro de sua penosa confusão, através de alegrias e dores, em luta dialética com os limites e com o tempo, a alma pode esclarecer progressivamente a si própria o profundo impulso rumo ao Uno que a inquieta diante da multiplicidade exterior e interior. O Absoluto, que se converte em um nome vão se o quisermos reduzir ao objeto pensado, manifesta-se como valor e ato vital nas alternativas vividas pela alma e adquire significado tão somente se nosso pensamento sabe distinguir a numinosa presença do que não é Uno.