Eckhart Deus Interior

Mestre Eckhart — TERMOS E NOÇÕES
Excertos de Giuseppe Faggin — Meister Eckhart e a mística medieval alemã
Deus Interior
Nesta doutrina ético-religiosa que renova de modo personalíssimoalguns motivos do pensamento agostiniano e preludia não só as instituições de Novalis e os “paradoxos” de Kierkegaard senão também o formalismo ético de Kant e de Fichte, se ocultam os germens da futura especulação com tudo o que de perigoso poderá surgir e afirmar-se filosoficamente. A sua madura reflexão a experiência ético-religiosa proporá numerosos problemas. A realidade exterior, que não contém nenhum valor moral em si mesma, e constitui tão somente a ocasião externa para a íntima dialética da alma, não cumpre por ora mais que uma função negativa, Mas o pensamento deverá perguntar-se o que é este mundo aparente, qual é sua origem, se é pelo menos um bem relativo ou, se não é nada, porque ressurge continuamente frente a nós para seduzir-nos com suas vãs aparências.E além disto, se a alma, com seu ato de amor e arrependimento, pode apagar num só instante todo um passado de maldade e de culpas, obrigando quase o próprio Deus a atuar em sua desnudez interior como seu verdadeiro templo, é evidente que Deus se instaura em nós no próprio ato da boa vontade e vive da nossa vida interior. A possibilidade de salvação está na imanência de Deus. A doutrina da “centelha da alma” não se encontra ainda explícita nos Reden, mas se anuncia quando se diz que Deus “está oculto no fundo”. E com efeito, se o ato moral constitui em nós não um “Deus pensado senão um Deus em ser” e realiza a suprema unidade da alma com Deus e através de Deus consigo mesma, é necessária uma investigação de caráter intimamente psicológico: visto que a alma realiza o Divino em si mesma, sob que condição, como e em que ponto se efetua a mística união? A alma é divina como amor, como vontade ou como inteligência? Pareceria que Eckhart se encontra ainda sob a influência do voluntarismo agostiniano; no entanto é claro que a ausência de problemas, ou melhor, de interesses essencialmente especulativos, obscurece este ponto. Mas a posterior especulação metafísica deverá enfrentar-se também com este problema e se perguntará o que é “o divino na alma”, em que o Eterno Ser se atualiza e vive. A investigação sobre a alma levará à investigação teológica e esta, por sua vez, à primeira, em nome da unidade vivida no interior. O máximo esforço especulativo de Eckhart consistirá em indicar como a alma e Deus constituem um dualismo que salva a possibilidade do ato moral e o valor da entrega, mas ao mesmo tempo formam uma unidade muito íntima, que garante à alma a realização do seu destino espiritual na união com Deus, não concebido agora como objeto.pensado, senão como vida e presença ativa.

Mas, perigos muito mais graves ocultam-se na viva e dramática descrição da vida interior. O dominicano Eckhart fala da alma moralmente ativa e da onipotência redentora do amor como se entre a alma e Deus não houvesse nenhum intermediário: nem a obra da graça santificante, nem o valor carismático dos sacramentos, nem a função da Igreja. A experiência cristã se reduz às suas proporções éticas, comuns às grandes experiências místicas do mundo clássico e oriental, despojando-se quase completamente da complexa estrutura dogmática do catolicismo eclesiástico. Até parece que a descrição eckhartiana da vida religiosa, totalmente orientada a exaltar o recolhimento interior e a entrega absoluta, ressoa como acusação e reprovação contra o mundanismo da Igreja, apegada aos interesses terrenos e ignorante de sua missão.