Mestre Eckhart — Termos e Noções
VIDE: SOBRE DEUS 1, SOBRE DEUS 2, SOBRE DEUS 3
Tradução em português
DEIDADE, DEUS (GOTTHEIT, DEITAS, GOTT)
(Gottheit: deitas (em latim), deidade)
Na consideração de Deus como Abgeschiedenheit, distinguimos Deus e deidade. Portanto, divindade e deidade. Divindade é a qualidade de ser Deus. Deidade é, porém, o ser de Deus, o próprio seu, digamos a sua “quinta essência”, ele mesmo nele mesmo, na sua aseidade e inseidade, solto, desprendido de tudo que não é ele mesmo, pura e simplesmente, portanto Deus-Abgeschiedenheit.
Costumamos explicar essa duplicidade do conceito eckhartiano de Deus com o binômio: Deus quoad nos e quoad se, isto é, Deus referido a nós criaturas, e Deus referido a si mesmo. Muitas vezes essa dupla referência é interpretada como o modo de conhecer das criaturas, isto é, o nosso modo de conhecer e o modo de conhecer de Deus, referidos a Deus ele mesmo. Nesse sentido, Deus quoad se nos é inacessível. Tudo que dele podemos conhecer quoad nos é o que ele não é. Daí, Eckhart seria um dos grandes representantes da assim chamada teologia negativa. Outras vezes, a dupla referência é formulada como Deus virado para fora dele mesmo, na perspectiva do seu relacionar-se para com as suas obras ad extra-, e Deus virado para dentro dele mesmo, na perspectiva do seu relacionar-se com a sua vida interior, com a sua intimidade ad intra. Tanto a primeira maneira de considerar a questão como a segunda, no fundo, parecem não fazer jus à “ideia” da Abgeschiedenheit. Pois ambas operam com a preocupação da adequação com o objeto do conhecimento, cujo sentido do ser é o da coisalidade física e de sua adequação. Talvez o inter-esse de Eckhart não esteja primeira e acentuadamente nas questões da teoria do conhecimento de Deus, mas sim nas questões da experiência de identificação com o ser de Deus, isto é, da Abgeschiedenheit no mistério da filiação divina. Trata-se, portanto, não propriamente de conhecimento de um objeto chamado Deus, mas sim do co-nascimento de Deus na alma e da alma em Deus, ou, dito de outro modo, do toque de Deus na união de encontro dele conosco, e assim da realidade do co-nascimento com o Filho unigénito do Pai, na recepção da sua filiação. E isto de tal maneira que esse interesse não é propriamente o aspecto místico-moral-espiritual do ensinamento de Eckhart, místico e pastoralista, em diferenciação ao aspecto especulativo-teórico de Eckhart teólogo e filósofo, mas sim, a fonte e a plenitude dentro da qual ele se acha. É, portanto, a dimensão do seu ser, saber, querer, sentir enquanto realização da realidade chamada mundo da revelação cristã. Isto significa que, para entendermos bem de que se trata quando se distingue Deus e deidade, é necessário aprofundar a compreensão da Abgeschiedenheit enquanto a dinâmica do Mistério da Santíssima Trindade. Esse aprofundamento, porém, não pode ficar no nível de classificação da revelação cristã como o ponto de vista subjetivo e particular religioso, ascético-moral, ou místico-espiritualista ao lado de outros pontos de vista, como por exemplo, filosófico1, mas deve levar em conta o ser, o sentido do ser, a essência da existência cristã, a partir e dentro da qual fala Eckhart, isto é, considerar o ser da revelação cristã como o ontologicum2 da fala de Eckhart.
Traduções em francês
Gwendoline Jarczyk e Pierre-Jean Labarrière
- Deus, got
- SERMÕES I, II, III, IV
- SERMÃO XV
- SERMÃO XVI
Se o filosófico na sua essência não é outra coisa do que questão, isto é, busca de evidenciação do sentido do ser, então uma colocação que não leva a sério o fato de que o ser da existência cristã é o ontologicum do pensamento de Eckhart parece não ser suficientemente filosófico. Toda a questão aqui é como pensar a “relação” entre a totalidade constituída por um determinado sentido do ser e a outra totalidade, constituída por um outro sentido do ser. Por ser cada vez totalidade, não pode haver uma totalidade das totalidades como se fosse gênero, para duas espécies ou comum de dois. ↩
Actus purus, ato puro, é a pura e plena dinâmica de ser (verbo) na absoluta plenitude da liberdade no eu límpido desprendimento. ↩